Um imóvel quase quitado, e veio a pandemia…


A crise de perspectiva afetou a milhões de pessoas em todo o mundo. Muitos dos leitores desse jornal estão desempregados, simplesmente porque as empresas foram obrigadas a desativar certo número de postos de trabalho, para não falirem.

Políticas radicais são necessárias em tempos de crise, para viabilizar um turnaround e manter as empresas em pé, no ringue macroeconômico. Acontece que as políticas públicas adotadas nestes tempos focaram ou nas grandes corporações (que possuem forte acesso à crédito) ou nas classes mais pobres (que recebem o auxílio emergencial do Governo Federal). Mas….e a classe média? Essa ficou a mercê de uma economia estafada pela pandemia e nem por isso deixou de sofrer os gravíssimos efeitos econômicos provocados pelo isolamento social.

Essa situação gerou dívidas e dívidas geraram cobranças. Com os financiamentos imobiliários, não foi diferente. Os bancos e as incorporadoras não estão deixando de notificar extrajudicialmente os devedores das parcelas em atraso dos seus financiamentos imobiliários. Estão apertando os cintos e buscando retomar a propriedade do maior número possível de bens, para leva-los à leilão, em seguida.

Em situações assim, como o devedor deve agir? É natural que o fator pandêmico possa ser alegado, como justificativa, afinal, “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado” (art. 393 do Código Civil), contudo, até quando isso será suficiente para “manter” uma dívida imobiliária, sem que o imóvel possa ser tomado?

Uma teoria americana que tem ganhado força é a doutrina da frustration. Essa doutrina diz: se, em razão da pandemia, muitas obrigações se tornaram excessivamente onerosas e mesmo impraticáveis, o dever de cumprimento de certa obrigação, pelo devedor, deve ser “liberado”, isto é, o devedor deve ser libertado dessa obrigação desproporcional.

É natural que não se possa aventar a frustration para permitir o inadimplemento, depois de se pagar algumas parcelas de um contrato que previa centenas de sucessivos pagamentos. Entretanto, nas hipóteses em que se houver pago substancial parcela do contrato (segundo a teoria do adimplemento substancial) possa o desejo da credora de retomar o imóvel ser judicialmente frustrado, porque, afinal, nenhum de nós, em sã consciência, é culpado por esse cenário próprio de ficção científica. Procure por um advogado de confiança.

felipe.iglesias@machadoiglesias.com.br