Mudar conceitos e ideias já preconcebidas em condomínios é um desafio porque muitos não compreendem situações que exigem grande reflexão e aprofundamento em diversos dispositivos legais e de engenharia. Assim, rejeitam a lógica com argumentos inconsistentes, que não resistem a um simples cálculo matemático e à constatação de que nenhuma unidade do condomínio pode cercar o espaço a mais que possui, conforme os defensores do rateio pela fração ideal alegam ter a cobertura sobre as áreas comuns. O artigo 1.335, II do Código Civil, bem como os artigos 10, inc. IV e 19 da Lei nº 4.591/64 proíbem essa possibilidade, pois é direito de todos os proprietários, sejam de unidades tipo, de cobertura ou térrea utilizar as áreas comuns da mesma maneira, sem qualquer regalia para quem quer que seja. Se o uso dessas áreas que geram as despesas é semelhante, sem relação com o tamanho interno do apartamento, obviamente, todas as unidades devem arcar com os seus custos na mesma proporção, ou seja, igualmente.
DIFICULDADE COM CÁLCULO
Há pessoas que qualificam a taxa de cobertura como “Taxa da Inveja”, porque alguns entendem que o seu proprietário tem mais status, sendo que há quem alega ainda que por receber mais sol e ter o terraço tem que pagar maior taxa de condomínio, como se o seu proprietário não tivesse pago a mais pela compra, e sim ganhado essa unidade maior num sorteio entre todos os adquirentes do edifício. Muitos confundem taxa de condomínio, com o mesmo critério do Imposto de Renda, situação bem diversa, pois neste caso quem tem rendimento maior é tributado com a alíquota mais elevada. Há ainda, outros que confundem taxa de condomínio como se fosse IPTU, o qual já é pago o valor mais alto todos os anos, pois tem como base, o valor patrimonial do imóvel, o qual não tem nenhuma relação com os valores das despesas das áreas comuns do condomínio. A taxa condominial decorre de uma contraprestação de serviços das áreas comuns e não pode ser cobrada como se fosse imposto, que incide sobre o valor do patrimônio ou da renda da pessoa.
Ao ter acesso ao relatório “De Olho nas Metas”, divulgado pelo movimento “Todos pela Educação”, baseado nos dados do resultado Prova Brasil/Saeb/2011, que afirma quesomente 10,3% dos jovens brasileiros têm aprendizado adequado em matemática ao fim do ensino médio e que apenas 29,2% aprenderam adequadamente a língua portuguesa, começo a entender a enorme dificuldade de algumas pessoas compreenderem as diferenças entre área privativa, representada por um apartamento e as áreas comuns que são compostas pela portaria, corredores, áreas de lazer que geram as despesas que compõem o rateio da taxa de condomínio.
DIFERENÇAS NO CÓDIGO CIVIL ENTRE CONDOMÍNIO GERAL E O CONDOMÍNIO EDILÍCIO
Pelo costume das pessoas lerem rapidamente os textos é comum ocorrer uma confusão entre as regras do Condomínio Geral, pois elas não são as mesmas do Condomínio Edilício, que é o caso em questão. No Condomínio Geral as despesas devem ser rateadas na proporção da propriedade de cada coproprietário, diferentemente do Condomínio Edilício.
Os referidos institutos são tratados em capítulos distintos no Código Civil de 2002, sendo que o Condomínio Geral é abordado no Capítulo VI do Código Civil (artigos 1.314 e 1.315) que regula um bem indivisível (casa, apartamento, carro, lote, etc), enquanto que o Condomínio Edilício é tratado somente no Capítulo VII, sendo que o art. 1.331 esclarece a enorme diferença entres estes institutos.
Se uma casa ou apartamento pertence a três pessoas, uma com 60% da propriedade e seus dois irmãos com 20% cada, é lógico que caberá a cada um pagar pela troca do piso e dos encanamentos na proporção das suas frações, pois é um condomínio geral a referida unidade. Mas, no Condomínio Edilício, além da área privativa caracterizada pelo apartamento, existem ainda as áreas externas, que são comuns, e que pertencem e são utilizadas por todos igualmente. São estas áreas comuns que geram a taxa de condomínio.
Logo, no artigo 1.331, o primeiro que trata do Condomínio Edilício, o legislador é claro ao prever que há dois tipos de propriedade, o apartamento, que se equipara a casa com vários donos, definida como área privativa, e outra propriedade caracterizada como área comum. Vejamos:
CAPÍTULO VII – DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO
Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.
[…]
Em contrapartida, o art. 1.315 do C.C., ao tratar do Condomínio Geral, não trata de área comum. Vejamos:
Art. 1.315. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.
Logicamente, a área comum, que está fora da unidade privativa, é utilizada igualmente, pois a própria lei proíbe que um coproprietário se utilize de forma a impedir que outro tenha o mesmo direito, nos termos do art. 1.335, inciso II do C.C, que trata de CONDOMÍNIO EDILÍCIO, in verbis:
Art. 1.335. São direitos do condômino:
[…]
II – usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;
No mesmo sentido, a Lei nº 4.591 que “dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias” desde 1964, estabelece:
“Art. 10. É defeso a qualquer condômino:
[…]
IV- embaraçar o uso das partes comuns.
Art. 19. Cada condômino tem o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionados, umas e outros às normas de boa vizinhança, e poderá usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais condôminos ou moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.”
PROVA DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO – COBRANÇA INJUSTA
Para constatarmos de forma clara o absurdo da aplicação da fração ideal para dividir as despesas de alguns condomínios edilícios, exemplificamos o caso de um edifício com 20 unidades, sendo 19 apartamentos tipo e uma cobertura, tendo essa fração ideal 85% maior que os demais apartamentos.
No caso, o prédio trocou a fechadura e o síndico fará três chaves para cada apartamento, custando cada uma R$5,00. Assim, ao serem feitas 60 chaves, cada unidade receberá três chaves. Mas tendo em vista que o custo dessas chaves totaliza R$300,00, ao dividi-lo por 20,85, o resultado comprovará o enriquecimento ilícito, ou seja, que a cobertura pagará parte das despesas dos apartamentos tipo. Ao aplicar a fração ideal para dividir essa despesa, como também é feito com todas as demais que decorrem das áreas comuns (porteiros, faxina, elevador, energia elétrica, lazer, etc), cada apartamento tipo pagará R$14,39 pelas três chaves, ou seja, 4,2% a menos do que seria o correto, no caso R$15,00. Já a cobertura ao receber as 3 chaves pagará R$26,60, ou seja, o correspondente a 5,32 chaves. Obviamente, ao pagar a mais 77,33% do que seria o correto, no caso, R$15,00, a cobertura arcará com o valor que deveria ser pago pelos 19 vizinhos. Somente quem brigou com a calculadora e se recusa a racionar pode defender que isso seja correto!
O STJ JÁ CONFIRMOU RATEIO IGUALITÁRIO
Visando eliminar dúvidas de que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já confirmou o rateio igualitário, Recurso Especial nº 541.317-RS (2003/0064425-4), em que a proprietária de apartamento tipo entrou com ação contra o condomínio que dividia as despesas igualmente entre as unidades tipo e cobertura. A autora da ação alegou que a cobertura gastava mais que o apartamento tipo e que o rateio igualitário acarretaria enriquecimento ilícito do apartamento maior.
Portanto, fundamentou o processo justamente na tese que criei há 18 anos, mas com o raciocínio invertido, tendo o STJ confirmado minha posição, ou seja, que a divisão de despesas pela fração ideal penaliza a cobertura/apto térreo porque os gastos do condomínio edilício não estão ligados ao tamanho da unidade. Vejamos a decisão do STJ:
A convenção condominial é livre para estipular a forma adequada de fixação da quota dos condôminos, desde que obedecidas as regularidades formais, preservada a isonomia e descaracterizado o enriquecimento ilícito. O rateio igualitário das quotas não implica, por si só, a ocorrência de enriquecimento ilícito, sem causa dos proprietários de maiores unidades, uma vez que os gastos mais substanciais suportados pelo condomínio – v.g. o pagamento dos funcionários, a manutenção das áreas comuns e os encargos tributários incidentes sobre essas áreas, beneficiam de forma equivalente todos os moradores, independentemente de sua fração ideal.
Assim, não prevalece a presunção do aresto hostilizado de que os proprietários de menores economias “acarretam menor despesa”, porquanto os custos, em sua maior parte, não são proporcionais aos tamanhos das unidades, mas das áreas comuns, cuja responsabilidade e aproveitamento são de todos os condôminos indistintamente.
A decisão acima, unânime, dos cinco Ministros do Superior Tribunal de Justiça, Cesar Asfor Rocha, Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro, evidencia que a aplicação da fração ideal para cobrar valor não correspondente ao uso e gozo da unidade fere o princípio da isonomia, acarreta cobrança abusiva e contraria a boa-fé.
O STJ não aceitou a alegação de que o apartamento tipo gaste menos que o apartamento de cobertura e assim julgou ser correto o rateio igualitário, tendo os 5 Ministros declarado que “o pagamento dos funcionários, a manutenção das áreas comuns e os encargos tributários incidentes sobre essas áreas, beneficiam de forma equivalente todos os moradores, independentemente de sua fração ideal. Os custos, em sua maior parte, não são proporcionais aos tamanhos das unidades, mas das áreas comuns, cuja responsabilidade e aproveitamento são de todos os condôminos indistintamente.”
Diante dessa lógica pode-se deduzir que o apartamento de cobertura, por ter fração ideal maior, não gasta mais que o apartamento tipo, sendo injusta a cobrança a mais da cobertura, já que ao pagar a mais pelos serviços que são utilizados igualmente gera o enriquecimento ilícito dos proprietários das unidades menores.
Portanto, o Superior Tribunal de Justiça já manifestou de forma favorável ao rateio igualitário. Link da decisão:https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=902795&sReg=200300644254&sData=20031028&sTipo=5&formato=PDF
INTERPRETAR A LEI REQUER SABEDORIA E BOM SENSO
Quando o art. 1.336 enuncia que os condôminos devem concorrer para as despesas de condomínio, parte da premissa de que todos eles se servem das partes e coisas comuns. Na interpretação das leis, como já firmou o Superior Tribunal de Justiça, o julgador deve aplicar os princípios que informam as normas positivas:
“A interpretação das leis é obra de raciocínio, mas também de sabedoria e bom senso, não podendo o julgador ater-se exclusivamente aos vocábulos, mas sim, aplicar os princípios que informam as normas positivas” (Resp. 3.836-MG, 4ª T. , Rel. Min. Sálvio de Figueiredo; JSTJ, 27/93)
E, mesmo o STJ, em outro julgado, assim se posiciona:
“Se a interpretação por critérios tradicionais conduzir à injustiça, incoerência ou contradição, recomenda-se buscar o sentido equitativo, lógico e de acordo com o sentimento geral” (Resp. 11.064-0-SP, 1ª T., Rel. Min. Milton Cruz Pereira, DJU de 9/SL94, p.10.807)
COMO REVISAR O RATEIO PARA UMA FORMA JUSTA
Assim, verifica-se que deve a Assembleia Geral Extraordinária, devidamente assessorada por um especialista que tenha pleno conhecimento matemático, além de jurídico, deliberar sobre o critério de rateio de despesas, sem criar uma “Taxa de Castigo” ou um novo tipo de “Imposto” (além do IPTU e do IR que é pago todo ano pelo proprietário). Cabe aos proprietários elaborarem uma regra justa e equilibrada. Isto é, o condomínio pode perfeitamente deliberar e promover a rerratificação da convenção alterando o critério de rateio de despesas com base na fração ideal para rateio igualitário, bastando para tanto observar o quórum de 2/3 (dois terços) previsto na convenção condominial e consagrado pela legislação vigente.
Caso não ocorra uma solução amigável, caberá ao proprietário, que se sente prejudicado, postular a competente ação para anular o rateio pela fração ideal, sendo importante que ele seja assessorado juridicamente desde o primeiro momento, pois raramente terá êxito se conduzir o assunto de forma amadora. Poderá, mediante análise minuciosa dos gastos, aceitar o pagamento de algum valor a maior somente se for provado que realmente gera o referido gasto sobre determinada despesa, mas em hipótese alguma este item deverá contaminar os demais que devem ser pagos igualmente.
Importante atentar que ele não terá nada a perder, pois caso não promova o processo judicial, sua propriedade continuará a ser desvalorizada para venda e locação mediante uma cobrança dissociada da contra prestação dos empregados e pelo uso das áreas comuns.
OUTRA DECISÃO DO TJMG
A convenção, apesar de ter caráter normativo não se equipara a uma Constituição Federal, como alguns defendem para alegar que o Poder Judiciário não poderia anular uma cláusula que fere princípios jurídicos.
Por ser a convenção uma norma subsidiária que não supera a proibição de se contratar uma situação injusta e desequilibrada, pois ninguém honesto e que respeite os artigos 421. 422 e 884 do CC, imporia seu semelhante a pagar a mais pelo que não utiliza, em 2009 no processo número 1.0024.06.281.355-5-5 que tramitou na 18ª Câmara Cível do TJMG, ficou mantida a sentença que igualou a taxa de condomínio de duas coberturas localizadas no centro de Belo Horizonte-MG, que pagavam 188% cada uma, a mais que o apartamento tipo. O Condomínio recorreu ao STJ, mas os donos das duas coberturas já estão pagando a taxa igual aos apartamentos tipo. Na perícia judicial ficou provado que as coberturas geram os mesmos gastos que os apartamentos tipo, pois são uni familiares, ou seja, têm ocupação semelhante. Infelizmente, há casos em que constamos que morar melhor para alguns é visto como uma agressão e para outros o “sucesso no Brasil incomoda muito”.
Certamente, se o aprendizado em matemática fosse melhor e se a coletividade condominial não fosse influenciada por algumas pessoas que se revoltam ao ver alguém numa situação um pouco melhor, não haveria tanta polêmica decorrente da distorção do texto da lei. Com reflexão e espírito conciliador, essenciais a uma convivência harmoniosa, muitos condomínios estão revisando sua convenção para evitar cobranças inexplicáveis que são eliminadas à luz de um simples cálculo.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Caixa Imobiliária Netimóveis
Representante em Minas Gerais da ABAMI – Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário