Uma análise dos impactos do COVID-19 nos condomínios
Como pontifica o professor Miguel Augusto Machado de Oliveira, existem quatro fases críticas alavancadas pelo intitulado “novo Coronavírus”.
A primeira fase é a crise sanitária, onde se constata um verdadeiro colapso no sistema médico-hospitalar. Faltam leitos para o atendimento de tantos doentes simultâneos.
A segunda fase é a crise do sistema funerário. Mundo afora, milhares de vítimas da doença estão sendo enterradas em verdadeiras trincheiras, a lotes, porque a demanda e o momento não permitem solenidades.
A terceira fase é a crise financeira. Tanto a bolsa de valores brasileira como as estrangeiras tiveram que acionar, por vários momentos, o chamado circuit breaker, que congela por certo período as operações na expectativa de que o mercado retorne menos volátil. A médio e longo prazo, veremos um cenário muito crítico, de renda e mantimentos básicos nas classes mais pobres.
A última das crises é a crise de perspectiva. É como se disséssemos, diante do espelho, no pós-pandemia, depois desse cataclisma sanitário, financeiro e social: “- E agora?”. Faltarão respostas para tantas perguntas.
O ponto é que o vírus não faz distinção entre as pessoas. Como bem disse o filósofo Luiz Felipe Pondé, em provocações que lhe foram feitas na CNN Brasil, “todos são iguais perante o vírus”.
Nas relações privadas e nos condomínios, não é diferente. Um condomínio nada mais é do que uma agremiação de pessoas provocada por um coletivo animus domini, isto é, pessoas que se manifestam como legítimas possuidoras/proprietárias de certo(s) bem(ns).
No cenário atual, milhões de pessoas estão sendo afetadas em sua individualidade e os moradores de condomínio não estão isentos desse sofrimento. Financeiramente falando, o cenário é muito ruim para muitos moradores, que viram sua renda ser abruptamente reduzida nestes tempos de pandemia. A consequência será o agravamento da taxa de inadimplência das quotas condominiais e mesmo que o condomínio esteja com sua saúde financeira em dia, a situação pode comprometer gravemente as suas relações contratuais. Melhor explicando: fora os contratos de trabalho, contratos de prestação continuada, como de empreitada, serviços de jardinagem, portaria, limpeza, manutenção, dedetização, concierge, dentre tantos outros. Para todos eles, a orientação é só uma: estabelecer revisão e equilíbrio contratuais, nesses momentos catastróficos. Isso significa dizer que o condomínio deve buscar uma redução proporcional de cada um desses contratos (especialmente porque a orientação geral é evitar aglomerações, de modo que a redução de prestadores de serviço é aconselhável, provisoriamente).
Para justificar essa readequação dos contratos existiriam ao menos três fundamentos jurídicos. O primeiro deles seria a teoria da imprevisão, que como o próprio nome indica pode ser invocada quando ocorre algum acontecimento absolutamente imprevisto pelos contratantes. O segundo seria o chamado caso fortuito ou de força maior, que nada mais é do que o transcurso de um evento que foge ao controle humano (e por ele não provocado), que impacta negativamente nas relações públicas ou privadas. O terceiro dos fundamentos é a máxima latina do rebus sic stantibus, que, em linhas gerais, quer dizer que os contratos, quando assinados, assim o são levando em conta determinadas circunstâncias de fato e de direito. Em havendo modificação dessas circunstâncias, o contrato deve ser igualmente modificado, buscando-se o seu equilíbrio mútuo.
Já no que diz respeito aos regramentos internos que devem ser traçados pelo condomínio, medidas de contingência devem ser adotadas, notadamente para preservar vidas humanas e atender as orientações de especialistas. Churrasqueiras, piscinas, playgrounds, saunas, etc, devem ser fechados levando em conta o espaço e o possível distanciamento entre os usuários do local. Essa decisão é privativa e sumária do síndico, por dois motivos cruciais.
Seria um contrassenso absoluto exigir a realização de assembleia de condôminos, isso acarretaria em aglomeração. O segundo argumento é de que permitir a livre utilização de tais áreas afrontaria as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Ministério da Saúde, do Centro de Contingência e combate ao Coronavírus do Estado de São Paulo e dos decretos federais, estaduais e municipais que tratam desse delicado tema.
É importante destacar que o síndico responde civil e criminalmente pelos atos praticados durante a vigência de seu mandato. Em situações inéditas como o Coronavírus, o seu agir é mais importante do que o seu omitir, podendo ser a omissão fator preponderante para responsabilizá-lo por haver posto à prova sua vida e vidas alheiras, em momento deveras delicado.
Machado e Iglesias Sociedade de Advogados