Quem pode ser síndico?

Quem pode ser síndico?

Por Kênio de Souza Pereira

 

Muitas pessoas desconhecem o grande risco de eleger para a função de síndico uma pessoa não confiável ou que já tenha praticado atos lesivos, pois na maioria das vezes deixam de verificar a vida pregressa dos candidatos, que, após eleitos, passam a gerir valores expressivos sem qualquer impedimento para sacar os recursos. Certamente, a grande maioria dos síndicos é honesta, mas existem exceções. São inúmeros os casos de síndicos que subtraíram valores por meio do desvio de fundo de reserva/obra, chegando o montante desviado a superar o preço de um apartamento. Há até mesmo situações de alguns síndicos que abrem mão do direito do condomínio em processos judiciais, de maneira a ocasionar prejuízos.

 

A frequência dos desvios financeiros tem preocupado os especialistas que advogam na área, pois a maioria dos condôminos nem imagina os riscos que assumem ao eleger um vizinho ou síndico profissional sem previamente avaliar a sua idoneidade, pois, caso este provoque algum dano, raramente terá condições de indenizar a coletividade condominial. Diante de tantos escândalos financeiros em todas as esferas da sociedade, torna-se imperativa a adoção de mais cuidados ao se escolher um procurador, ou seja, um síndico que administrará os recursos do condomínio, os quais, em alguns empreendimentos, superam milhões de reais.

 

Quem pode? – Conforme estabelece Código Civil, no artigo 1.347: “A assembleia escolherá um síndico, que poderá não ser condômino, para administrar o condomínio, por prazo não superior a dois anos, o qual poderá renovar-se”. A lei também autoriza que a convenção determine o prazo de mandato, sendo comum que se estipule o prazo de 12 meses, podendo ainda restringir que essa função seja exercida somente por condômino para que haja maior segurança quanto a responsabilidade pela gestão, pois, tendo o síndico patrimônio imobiliário, este poderá responder por algum ato irregular ou excesso de mandato.

 

Todavia, em geral, as convenções são omissas quanto às restrições sobre quem pode ser eleito síndico, deixando de estipular regras que poderiam reduzir os riscos de se eleger uma pessoa mal intencionada, que já tenha praticado desvios financeiros ou até mesmo cometido crimes, como o de estelionato ou furto, por exemplo.

 

Diante da crise moral que a sociedade tem vivenciado, conforme noticiado diariamente pelos veículos de comunicação, cabe aos condôminos aprimorarem a convenção e o regimento interno, sendo prudente adotar os preceitos contidos na Lei Complementar nº135, conhecida por “Lei da Ficha Limpa” que, desde 2010, estipulou regras para a inelegibilidade de candidatos que tenham vida pregressa irregular. O Código Civil autoriza que a assembleia de condomínio introduza na convenção requisitos de elegibilidade de quem venha a se candidatar à função de síndico. E, caso o candidato não atenda aos requisitos, será considerado inelegível, não podendo ser votado na assembleia, por não apresentar a devida idoneidade necessária para representar a coletividade condominial.

 

Ficha limpa – Como exemplo dos requisitos que estão previstos na Lei da Ficha Limpa, podemos citar algumas regras que podem vir a ser adotadas pelo condomínio:

 

  • a) Inelegibilidade de analfabeto, pois é óbvio que o síndico deve ter condições de ler e analisar contratos, fiscalizar funcionários e documentos que exigem interpretação de textos.
  • b) Inelegibilidade de quem já tenha sido destituído da função de síndico previamente, pois seria irracional eleger novamente quem já foi retirado da função por cometer atos irregulares ou por não prestar contas, nos termos do art. 1.349 CC.
  • c) Inelegibilidade de quem tiver sido condenado judicialmente por atos que evidenciem falta de honestidade ou desvio de recursos, como, por exemplo, fraude, furto, falsificação, desvio de dinheiro, apropriação, estelionato, crime contra a economia popular, sistema financeiro, lavagem de dinheiro, ocultação de bens ou a administração pública, etc.
  • d) Inelegibilidade daqueles que tiverem sido condenados por crime de tráfico de entorpecentes ou até mesmo que respondam por contravenções previstas na Lei de drogas, dentre outros que a convenção prever.

 

A imposição da inelegibilidade geralmente se limita ao síndico e subsíndico, mas poderá vir a ser estabelecida também para os conselheiros, conforme o caso.

 

Além das restrições citadas anteriormente, o fato da Prestação de Contas ser rejeitada pela assembleia, o que ocorre em geral no final do mandato ou a cada 12 meses, também configura uma situação que deve inviabilizar a reeleição do síndico.

 

Processo judicial – Um dos pontos mais controvertidos consiste no direito de todos os condôminos saberem previamente sobre a idoneidade de quem deseja ser síndico, o que inclui uma análise do perfil dos coproprietários, moradores, síndicos profissionais, e se estende até os dirigentes de administradoras de condomínio, pois todos esses movimentam recursos financeiros, documentos e contratos que, mal administrados, podem gerar prejuízos.

 

Por haver o risco de que a exposição durante a assembleia de que um determinado candidato esteja respondendo judicialmente por um crime, que tenha aplicado um golpe financeiro ou até mesmo que tenha sido preso por ter agredido pessoas ou policiais por, rotineiramente, dirigir embriagado, demonstrando assim ser uma pessoa desequilibrada, possa configurar crime de difamação, é necessária extrema cautela sobre a forma como este assunto deve ser levado ao conhecimento dos condôminos.

 

Entretanto, todos devem ser alertados desse histórico pessoal, já que muitos, por desconhecerem o caráter distorcido do candidato, acabam outorgando procurações de modo que esse consegue obter votos dos desavisados ou daqueles que lhe devem favores, às vezes contrários aos interesses do condomínio. Por isso, vemos os condomínios sendo conduzidos de forma desastrosa, motivando a venda das unidades por quem não suporta a má-fé.

 

O ideal é o condomínio estipular que caberá ao candidato preencher uma declaração de que não responde por qualquer processo judicial ou inquérito policial em andamento. E, caso tenha alguma pendência, que a declare previamente, por escrito, com detalhes, para que os condôminos saibam, de antemão, sobre a conduta e vida pregressa de quem deseja gerir os recursos financeiros e os interesses da coletividade.

 

Dessa forma, é perfeitamente legal o condomínio exigir do candidato uma Certidão Criminal Negativa, para que possa conferir a existência de condenação ou mesmo de inquérito ou processo criminal que venha a gerar preocupação aos condôminos, sendo vedada a divulgação dos dados constantes na Certidão a terceiros que não os condôminos. E, caso o candidato não a apresente previamente, no prazo e nas condições estabelecidas na convenção ou no regimento, este não poderá sequer se manifestar como candidato na assembleia, a qual se limitará a votar somente nos candidatos que atenderem os requisitos previamente estabelecidos na convenção.

 

Por todas essas razões, é importante estabelecer na convenção procedimentos que inibam pessoas não qualificadas de exercer a função de síndico, sendo uma medida sábia e prudente, pois evitará problemas e surpresas com gestões temerárias.

 

Inelegível – O Código Civil de 2002, eliminou qualquer dúvida sobre quem pode votar nas assembleias, tendo revogado os dispositivos que anteriormente previam que o inquilino poderia votar na ausência do condômino. Portanto, não cabem as mirabolantes interpretações sobre a lei vigente, com o objetivo de tentar restabelecer a norma anterior (Lei do Inquilinato de 1991, art. 83). Não há, no Brasil, a repristinação, ou seja, o fenômeno jurídico pelo qual uma lei volta a vigorar após a revogação da lei que a revogou.

Dessa fora, o Código Civil estabelece: “Art. 1.335. São direitos do condômino: … III – votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando quite”.  Diante disso, se um devedor nem pode participar, e muito menos votar, obviamente, não pode ser candidato a síndico. Caso o devedor fosse eleito síndico seria impossível ele contratar um advogado para executá-lo judicialmente, sendo um vício processual a situação do síndico comparecer perante o juiz como réu e, ao mesmo tempo, como representante do autor.

Essa mesma situação impede que um condômino que esteja demandando judicialmente contra o condomínio, em alguns tipos de ação, venha a ser síndico, por haver incompatibilidade de posições. Como exemplo, se determinado condômino está pleiteando uma área comum como sua propriedade exclusiva, ocorre um choque de interesses que inviabiliza que este venha a concorrer para a eleição de síndico. Seja por desonestidade ou por incompetência, não convém que qualquer um seja o síndico. É fundamental que o candidato possua idoneidade, equilíbrio e conhecimento para justificar a confiança que motiva o voto.

 

*Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG (2010 a 2021) –

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal –

Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG – Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis –  kenio@keniopereiraadvogados.com.br