Por Kênio Pereira de Souza
Em busca de maior segurança e praticidade, muitas famílias passaram a residir em apartamentos por serem menos vulneráveis que as casas, sendo que essas ainda exigem maior custo de manutenção. Com a ideia de ter maior espaço, área verde e acesso ao sol, os apartamentos térreos ou no pilotis, com área externa privativa, passaram a ser uma boa opção para aqueles que desejam morar num local semelhante a uma casa. O problema é que, não sendo uma casa, a liberdade do proprietário para realizar inovações é muito limitada, pois a maioria desses acréscimos é ilegal por ferir as posturas municipais e a convenção.
É importante compreender que um edifício consiste numa propriedade coletiva proveniente de um projeto que foi criteriosamente estudado para suportar determinado peso e estrutura, dentro das normas da Lei de Uso e Ocupação do Solo e do Plano Diretor, sendo regra o construtor utilizar todo o Coeficiente de Aproveitamento.
Após a conclusão da obra, a Prefeitura confere a execução do projeto para emitir a Certidão de Baixa de Construção, também conhecida como habite-se. Qualquer alteração ao projeto original, especialmente algum aumento de área coberta, impede essa certidão de Baixa de Construção. Consequentemente deixam de ser abertas as matrículas das unidades perante o Ofício de Registro de Imóveis, o que impossibilita que qualquer comprador solicite o financiamento junto aos Agentes Financeiros, por falta de documentação adequada do apartamento.
Legislação – Além da Prefeitura, do Ofício de Registro de Imóveis e do Agente Financeiro que rejeitam obras irregulares, há ainda a Lei de Incorporação em Condomínios, nº 4.591/94, com seis artigos sobre a matéria, e o Código Civil com sete artigos que estabelecem o dever dos coproprietários respeitarem o que foi edificado, em especial, as fachadas e o formato das áreas externas, nos termos da convenção. Mesmo com a votação pela maioria da assembleia que aprove alguma obra de acréscimo, se essa prejudicar algum proprietário, este sozinho poderá impedir a construção ou requerer a demolição mediante o processo judicial que tem diversas variáveis.
Segurança e sossego – Causa perplexidade a falta de consciência de quem ignora os diversos dispositivos legais que impedem a realização de novas construções em condomínios, sendo ilegal e abusivo agir como se não existissem vizinhos. Afronta as frações ideais e, muitas vezes, prejudica a segurança do apartamento de cima, o ato de instalar telhados, toldos, coberturas, bem como plantar trepadeiras que se tornam escadas para entrada de invasores.
Com a pandemia, as festas em casa aumentaram, ocasionando a instalação de fogões a lenha, churrasqueiras e até chaminés, que jogam fumaça no vizinho, fazendo as cortinas e roupas das vítimas terem que ser lavadas constantemente diante do odor e da gordura, além de forçá-lo a ficar com as janelas fechadas para reduzir a entrada de fumaça, o que prejudica também a saúde.
O problema é que as vítimas desses novos locais de comemorações, que passam a ter que ouvir cantorias, pagode e farras dos frequentadores da churrasqueira, acabam perdendo a paciência ao ficarem sem condição de descansar nos fins de semana. Alguns vendem o apartamento e após mudarem se arrependem ao verem que gastaram 20% do valor do imóvel com a comissão do corretor, ITBI, cartórios, adaptações e mobiliário da nova moradia, pois seria mais barato exigir seu direito ao sossego.
Existem outros que constroem na área externa novos cômodos que são verdadeiros “puxadinhos” que sobrecarregam a laje acima da garagem ou do salão de festas, instalando piscinas ou banheiras de grande dimensão. Outras vezes, as estruturas metálicas fixadas para receberem um novo telhado, danificam a manta de impermeabilização favorecendo o surgimento de infiltrações sobre os automóveis ou nos tetos das áreas comuns abaixo do pilotis.
Garantia – Essas obras irregulares nos edifícios novos, caso não sejam impedidas, poderão servir de justificativa para a construtora que for solicitada a consertar uma infiltração ou vício de construção, alegar que essas intervenções irregulares causaram os danos. O egoísmo e a audácia de alguns proprietários podem prejudicar a todos do edifício quanto à validade da garantia de cinco anos que a construtora é obrigada a cumprir.
Certamente, a maioria das pessoas não compraria ou alugaria o apartamento do andar acima à área privativa, se tivesse ciência da existência do telhado ou de algum outro tipo de cobertura que foram executadas posteriormente no apartamento térreo. Ninguém deseja ter aborrecimentos que podem gera danos materiais e até morais diante da modificação do que não deveria ser alterado. Portanto, é direito do condomínio, bem como de qualquer vizinho, quando há o prejuízo, impedir tais obras com o devido processo legal, devendo agir com rapidez e profissionalismo para evitar a prescrição e a desvalorização da sua moradia.
Conclui-se que, se um apartamento térreo não agrada ou não atende a um proprietário, da maneira como foi projetado, basta comprar outro ou optar por uma casa que permita construir o que deseja, evitando assim prejudicar os vizinhos.
*Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG
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