Por Kênio de Souza Pereira
Publicado em 20/01/2025
Divisão de despesas não pode resultar em enriquecimento ilícito. Entender as leis e suas nuances exige reflexão e experiência, sendo comum, em processos, alguns advogados distorcerem as decisões judiciais para justificar uma tese que defende ou rebater àquela contrária ao seu interesse. Contudo, quando se trata de uma palestra em congresso ou seminário, deve-se ter especial atenção, pois pode levar centenas de pessoas a criarem litígios desnecessários e defenderem uma posição desonesta ou imoral.
Esclareço isso por ter me espantado com advogados que alegam que o Poder Judiciário não pode intervir e anular a cláusula da convenção que estipula o rateio de forma injusta ou desequilibrada, pois isso só seria possível por meio da aprovação de 2/3 do condomínio. E ainda afirmarem que seria errado o proprietário da cobertura, apto térreo ou loja que é lesado pela cobrança abusiva da quota questionar a convenção, uma vez que tinha conhecimento dela quando comprou o imóvel.
Essas alegações visam a consagrar a cobrança desonesta, sendo óbvio que está pacificado pelo Poder Judiciário que ele sempre anula cláusulas abusivas de convenções, especialmente quanto ao rateio, como no caso de construtoras que criam para si regra para pagar valor a menor das unidades não vendidas, uma vez que isso implica em onerar os demais compradores.
Da mesma forma, é imoral cobrar da cobertura, por exemplo, o dobro do valor pela troca do interfone. Ora, se o prédio tem 10 unidades, sendo uma cobertura e considerando que cada interfone custou R$300,00, por que seria justo cobrar da cobertura, pela fração ideal, a quantia de R$545,00 e das demais unidades R$272,72 pelo mesmo produto? Isso é honesto? Para quem sabe fazer contas é torpe cobrar a mais sem motivo, pois a lei não defende lesar o vizinho justificando, então a atuação do judiciário.
Tese – Defendo há 29 anos a tese de ser injusta a cobrança do rateio pela fração ideal quando o prédio tem apartamentos térreos e de cobertura, pois essas unidades usufruem de forma igual dos serviços e dos empregados que mantem as áreas comuns que estão à disposição de todos, na mesma proporção, razão pela qual o rateio deve ser dividido igualmente. Se tratando de loja que não usufrui de porteiros, elevadores, etc., estas devem ser isentas das quotas ordinárias.
Essa tese foi admitida em diversos casos que patrocinamos, derrubando a cobrança pela fração ideal quando essa se mostra injusta, conforme já apresentamos em artigos publicados neste e em outros jornais que podem ser vistos em nosso site (keniopereiraadvogados.com.br)
Orientação isenta – Respeitamos os profissionais que pensam diferente e ignoram a matemática e a lógica. Isso porque, nenhuma lei as revogou sendo totalmente desproporcional um proprietário pagar a mais por algo que consome, usufrui e está à sua disposição da mesma forma que outro.
Nesse sentido, temos diversas decisões do STJ e dos Tribunais Estaduais que comprovam a necessidade do Poder Judiciário intervir em situações de desproporcionalidade trazidas nas Convenções de Condomínio, como podemos ver a seguir:
RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. ART. 1.022 DO CPC/2015. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. CONVENÇÃO. OUTORGA. CONSTRUTORA. TAXA CONDOMINIAL. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. […]. 2. Cinge-se a controvérsia a discutir se a convenção de condomínio pode estabelecer, apenas para unidades imobiliárias ainda não comercializadas, o correspondente a 30% (trinta por cento) do valor integral da taxa condominial devida. 3. A convenção outorgada pela construtora/incorporadora não pode estabelecer benefício de caráter subjetivo a seu favor com a finalidade de reduzir ou isentar do pagamento da taxa condominial. 4. A taxa condominial é fixada de acordo com a previsão orçamentária de receitas e de despesas, bem como para constituir o fundo de reserva com a finalidade de cobrir eventuais gastos de emergência. 5. A redução ou isenção da cota condominial a favor de um ou vários condôminos implica oneração dos demais, com evidente violação da regra da proporcionalidade prevista no inciso I do art. 1.334 do CC/2002 6. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1816039 MG 2019/0147151-4, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Julgamento: 04/02/2020, T3 – TERCEIRA TURMA, Publicação: DJe 06/02/2020)
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – CONSTRUTORA/INCORPORADORA E ADQUIRENTES DE SUAS UNIDADES AUTÔNOMAS – RELAÇÃO DE CONSUMO – APLICABILIDADE DO CDC – CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO OUTORGADA PELA CONSTRUTORA DE FORMA UNILATERAL – CLÁUSULA QUE REDUZ O VALOR DA TAXA DE CONDOMÍNIO DAS UNIDADES NÃO COMERCIALIZADAS – ABUSIVIDADE – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. A relação existente entre a construtora/incorporadora com os adquirentes das unidades, representados pelo condomínio, é de consumo, sendo inequívoca a aplicabilidade no caso do Código de Defesa do Consumidor. É abusiva a cláusula que dispõe sobre o pagamento da taxa de condomínio relativamente às unidades não comercializadas, estipulando-a em apenas 10% da taxa condominial, pois favorece, em demasia, a construtora, fazendo recair sobre os adquirentes das demais unidades autônomas ônus que seriam dela, construtora, gerando grande desigualdade entre as partes. […] (TJ-MG – AC: 50269136320168130024, Relator: Des.(a) José de Carvalho Barbosa- Julgamento: 08/08/2019, 13ª CÂMARA CÍVEL, publicado 09/08/2019)
Apelação Cível. Condomínio – Nulidade de cláusula da convenção de condomínio que confere à incorporadora isenção parcial do pagamento das taxas condominiais, no percentual de 30% do valor da taxa condominial paga pelos demais condôminos –– Aplicação do CDC à hipótese – Nulidade da cláusula reconhecida –[…] – Possibilidade de disposição diversa em relação ao rateio das despesas que não se aplica à hipótese em exame, em que a convenção de condomínio foi elaborada unilateralmente pela incorporadora e imposta a todos os adquirentes das unidades – Disposição que institui verdadeiro privilégio em favor da construtora, em prejuízo dos demais adquirentes das unidades – Violação ao princípio da isonomia. […]
(TJ-SP 10029312520168260510 SP 1002931-25.2016.8.26.0510, Relator: Christine Santini, Data de Julgamento: 19/04/2018, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/04/2018)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO ELABORADA PELA CONSTRUTORA DE FORMA UNILATERAL. CLÁUSULA QUE REDUZ EM 70% O VALOR DA TAXA DE CONDOMÍNIO DAS UNIDADES NÃO COMERCIALIZADAS. ABUSIVIDADE RECONHECIDA. A jurisprudência considera abusiva a estipulação de isenção total ou parcial de taxas de condomínio de unidades não comercializadas pela construtora, ou incorporadora, por conferir privilégio indevido em relação aos demais condôminos, sendo, portanto, passível de ser objeto de apreciação judicial por atingir a esfera de direito destes últimos, os quais não firmaram a convenção de condomínio que estabeleceu tal benefício. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. (TJ-AL – AI: 08042080220198020000 AL 0804208-02.2019.8.02.0000, Relator: Des. Klever Rêgo Loureiro, Julgamento: 23/07/2020, 2ª Câmara Cível, Publicação: 27/07/2020)
Apelação Cível n. 0000257-83.2021.8.17.3350** Apelante: PERNAMBUCO CONSTRUTORA EMPREENDIMENTOS LTDA Apelado: CONDOMÍNIO ACÁCIA RESERVA SÃO LOURENÇO Relator: Desemb. Eduardo Sertório Canto EMENTA: Direito Processual Civil e Civil. Embargos à execução. Sentença julgando improcedente. Apelação Cível. Alegação de legalidade da Cláusula da Convenção Condominial. Cláusula abusiva. Ilegalidade da exoneração da taxa condominial. Sentença mantida. Recurso não provido a unanimidade. 1. De acordo com o art. 1.336, I, do CC⁄2002, é dever do condômino contribuir para as despesas do condomínio na proporção da fração ideal, salvo disposição em contrário na convenção. Em virtude disso, se uma ou várias unidades imobiliárias recebem a redução do valor da taxa ordinária, a consequência é a oneração dos demais condôminos. 2.Há, desse modo, enriquecimento sem causa da parte que se beneficia com o pagamento a menor, em detrimento de toda a coletividade condominial, com evidente violação do inciso I do art. 1.334 do CC⁄2002, que assenta expressamente a observância da proporcionalidade da cota condominial. 3. É abusiva a redução das despesas condominiais de imóveis de propriedade da ré para 30%, embora prevista na convenção condominial, tendo em vista ter sido por ela imposta unilateralmente na qualidade de construtora, incorporadora. 4.A regra de desconto no pagamento das despesas condominiais em favor da Construtora infringe, de fato, o princípio da isonomia ao estabelecer desmotivadamente obrigações desproporcionais para os condôminos sem sua anuência para tanto. 5. Correta a sentença que julgou improcedentes os embargos à execução por entender ser abusiva a Cláusula 38 da Convenção Condominial não devendo prevalecer. 6.[…] (TJ-PE – AC: 00002578320218173350, Relator: FRANCISCO EDUARDO GONCALVES SERTORIO CANTO, Julgamento: 28/02/2023)
Em juízo – Essas decisões, especialmente do TJPE, deixam claro o direito de contestar em juízo a convenção, sendo óbvio que os 2/3 que são beneficiados em pagar a menos ou a construtora não alterarão o rateio que lhes favorece.
Assim, se um condômino é penalizado com a cobrança excessiva sem que tenha maior privilégio nas áreas comuns, que geram as despesas, fica clara a prática de enriquecimento ilícito e a violação aos artigos 157, 422, 884 e 2035 do Código Civil motivando a intervenção do Judiciário.
*Diretor Regional de MG da Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário – Conselheiro do SECOVI-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG – kenio@keniopereiraadvogados.com.br (31) 2516-7008