Por Kênio de Souza Pereira
O receio decorrente da pandemia do coronavírus (COVID-19), tem motivado os condomínios a tomarem diversas medidas para reduzir o risco de contágio. Isso é justificável diante da necessidade de evitarmos a situação crítica que ocorre na Itália e na Espanha, sendo que principal objetivo dessas medidas é evitar as aglomerações para que a transmissão do vírus ocorra em um espaço de tempo maior, evitando assim que o sistema de saúde entre em colapso. Isso implica em deixar de realizar assembleias para evitar que as pessoas fiquem próximas umas das outras, passando a ser aceitável outras formas – que serão citadas neste artigo – para deliberar questões urgentes.
Entretanto, temos visto síndicos, apesar de bem-intencionados, lacrando áreas de lazer (quadras, academia, churrasqueira, espaço gourmet, sala de jogos, piscina e salão de festas) sem qualquer troca de ideias com os moradores, ignorando que esses são coproprietários dessas áreas comuns que configuram parte integrante dos apartamentos. A situação se torna mais delicada diante do fato de milhares de famílias estarem confinadas, deixando de sair para clubes, cinemas, academias e outros locais, tendo que ficar em casa, passando, tais áreas de lazer, serem mais importantes do que nos dias normais, em especial para quem tem indicação médica para se exercitar.
Concordamos com as restrições e com a necessidade de evitar utilização dos espaços de lazer do edifício por muitas pessoas ao mesmo tempo, pois devemos evitar os riscos à nossa saúde, mas com razoabilidade, sem histeria. Obviamente, o direito à vida se sobrepõe ao da propriedade, mas este deve ser limitado dentro da legalidade e inexiste determinação do Poder Público sobre restrição das áreas internas dos condomínios. Certamente, o síndico não é o dono do edifício e nem responde criminalmente por não fechar as áreas de lazer, pois não existe tal lei para ele cumprir. Tem o síndico que cumprir, dentro dos seus limites de mandatário, as leis, as deliberações da assembleia, defender os interesses comuns, diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns, além de zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores, conforme artigo 1.348, incisos I a V, do Código Civil.
Bom senso – Cabe ao síndico convocar a assembleia geral para resolver essas questões, mas diante dos riscos de contágio a reunião deve ser evitada. Então, em respeito ao direito dos moradores de optar quanto à utilização de sua propriedade, esses devem ser ouvidos, podendo ser aprovadas medidas menos extremas, primando sempre pelo bom senso conforme o perfil do edifício.
É necessário entender que os empreendimentos imobiliários são diferentes, com números de unidades variadas, com particularidades, pois em grande parte dos edifícios, a academia e demais equipamentos de lazer são utilizados por poucas pessoas, o que possibilita que possam se exercitar com mais de 2 metros de distância. Não é racional tratar todos os edifícios como se as áreas de lazer fossem pequenas e ficassem lotadas, pois isso não é a realidade. Certamente, num empreendimento com 400 apartamentos, controlar a academia é mais complicado, mas em inúmeros prédios menores ela e os demais espaços (gourmet, quadra, churrasqueira, etc.) são utilizados por poucas pessoas, inexistindo assim risco de aglomeração.
Podem esses equipamentos serem higienizados com álcool antes e depois do uso, sendo mantida entre as pessoas a distância de 2 metros, eliminando, assim, o temor que tem motivado alguns síndicos a agirem de forma exagerada, só faltando proibir o uso dos elevadores e escadas.
Portanto, existem cuidados que devem ser tomados no ambiente condominial, tais como entrar no elevador sozinho ou apenas com os membros da mesma família, reduzindo os riscos de contaminação com o uso de álcool 70% nos mais diversos locais, como: corrimão, maçanetas, chaves, botoeiras, interfones, nos equipamentos de uso coletivo, entre outros. O racional é aplicar as mesmas regras às áreas de lazer, caso essas comportem o distanciamento entre as pessoas.
Pesquisa – Para que esse período de confinamento seja menos doloroso, pode o síndico fazer uma pesquisa, deixando na portaria um formulário para que os condôminos votem nas opções, que podem ser o fechamento das áreas de lazer ou somente a piscina ou a sauna, bem como criar horários, limites de pessoas, regras para evitar o contágio, permitindo assim as pessoas se exercitarem.
Enfim, diante da situação emergencial, a votação fora da assembleia passa a ser aceitável, podendo ser utilizado abaixo assinado, circular com opções, e-mail, o site do condomínio, o whatsapp (com pequeno nº de participantes), chamada em vídeo conferência, assembleia virtual ou mesmo a ligação direta por telefone a cada condômino. Diante da atipicidade da situação e dos riscos, dificilmente alguém se atreveria a questionar a validade da decisão e, se o fizesse, provavelmente o Juiz não anularia a deliberação, caso os procedimentos tenham sido executados com boa-fé, para evitar o contágio que poderia ocorrer numa reunião presencial.
Doentes – Tendo em vista o interesse da coletividade condominial em preservar a saúde, cabe a quem ficar doente informar ao síndico para que a coletividade saiba do aumento dos riscos, pois assim poderão ficar mais cuidadosos. Não existe lei que determine a pessoa fazer essa comunicação, cabendo ao síndico manter sigilo sobre a identidade do doente para evitar constrangimento.
Por outro lado, o artigo art. 1.336 do Código Civil estabelece que: “São deveres do condômino: IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”, devendo os moradores evitar os contatos próximos. No caso de o morador estar gripado deverá o mesmo e os familiares que residem com ele, permanecerem no apartamento e se absterem de frequentar as áreas de lazer, evitando assim prejuízo ao sossego e à saúde dos vizinhos. Caso a pessoa doente e seus familiares insistam em expor os vizinhos à risco, poderá ser aplicada a multa nos termos da convenção, independente de prévia aprovação de restrição pela assembleia.
Mandato do síndico – Quanto às regras de restrição, no caso delas terem sido aprovadas pela maioria, podem elas conterem a penalidade que será imposta ao infrator, conforme a convenção que define a sua forma de aplicação, além do artigo 1.336, § 2º do Código Civil. Justamente para que sejam respeitadas as restrições de maneira espontânea e colaborativa é que esclarecemos ser temerosa a atitude do síndico impor o fechamento das áreas de lazer sem ouvir a opinião dos moradores, pois a atitude extrema de lacrar as áreas de lazer, o morador poderá não respeitar e, ao ser multado, se recusar a paga-la, podendo essa ser invalidada pelo Poder Judiciário no futuro diante de falhas nos procedimentos.
Assim, o síndico que fere o direito de propriedade sem ao menos ouvir a opinião da maioria, pode vir a cometer ato ilícito sob a perspectiva do artigo 187 do Código Civil, que diz que “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
A questão aqui é “colocar na balança” e analisar os direitos que estão em jogo. De um lado o direito dos condôminos de usarem e fruírem de sua propriedade e, de outro, analisar se é dever do síndico restringir esse uso. As regulamentações que existem até o momento são de cunho público. Orientam a ficar em casa, mas não interferem em como as pessoas agem em suas casas, e não impõem de forma absoluta esse recolhimento, já que as pessoas continuam tendo direito de saírem, sendo aconselhável que o façam somente quando necessário.
No condomínio é preciso considerar que é necessário e recomendável para muitos a frequência no espaço de academia, e áreas externas, para se exercitarem, tomarem um banho de sol. Nessa situação, aquele que não quer ter contato nenhum com outras pessoas, tem a alternativa de se manter no interior de sua unidade, não existindo, pelo menos não ainda, nenhuma norma que autorize o síndico a impedir que as pessoas circulem livremente nos espaços comuns. Podemos determinar o nosso comportamento, e não o do outro. O do outro é questão dos órgãos públicos analisarem.
Se de um lado temos as normas impostas pelo Estado neste momento de pandemia, que criam restrições aos cidadãos, de outro não temos em nenhuma delas que o Poder de restringir seja estendido aos síndicos, ficando evidente que a restrição é no limite do que a Lei e os Decretos têm determinado, ou seja: sair quando necessário, praticar o distanciamento de outras pessoas, não tocar o rosto depois de colocar as mãos e locais de risco, se higienizar. Se o Poder Público desejasse que a autoridade que lhe é inerente fosse passada ao particular, teria dito expressamente para quem e como deveria ser desempenhada, estabelecendo os limites e consequências.
Interpretação equivocada do código penal
Há quem acredite que o síndico que não promova o fechamento das áreas de lazer, comete o crime do artigo 132 do Código Penal (CP), Perigo para a vida ou saúde de outrem, que dispõe: Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. Colocaremos sob análise aqui, também, o crime do artigo 131 do CP, Crime de Perigo de contágio de moléstia grave, que diz: “Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa”.
Na análise da advogada e professora de Direito Penal, Daniela Tonholli, “os dois crimes não estão em questão. Poderiam ser cometidos pelo síndico, em hipótese, se ele, diretamente, praticasse atos que expusessem terceiros ao risco do contágio, com dolo, ou seja, com intenção. Um exemplo seria se o próprio síndico, tossisse ou cuspisse intencionalmente sobre outra pessoa, sabendo estar com o vírus”.
Certamente nenhum síndico deseja o contágio das pessoas. Cada indivíduo, uma vez advertido, é responsável pelos seus próprios atos, não sendo exigido de terceiros impedir o ato criminoso do outro. O Direito Penal é claro ao nos dar o direito de nos defendermos em legítima defesa para repelir um mal iminente, no exato limite do necessário para tal.
Ainda, para a especialista, “o crime de perigo em questão é subsidiário, ou seja, se outro crime mais específico existir, deixamos de cogitá-lo para o enquadramento”. Observa a professora que neste caso, “entraria em hipótese o artigo 268 do Código Penal, que tem uma tipificação muito mais específica que o artigo 132, que trata do crime de Infração de medida sanitária preventiva, que diz: “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa”.
Para a advogada, “a análise é semelhante à anterior, primeiro, sobre a necessidade de existir o dolo de querer infringir a determinação do Poder Público. Depois, porque isso diz respeito ao comportamento de cada um. Por outro lado, nas regulamentações criadas pelo Poder Público, como já comentado, não foi determinado aos síndicos que repliquem as normas para os condomínios, agindo como uma espécie de fiscal do Estado. Assim, não é legítimo cobrar do síndico que aja como autoridade pública”.
Este é um momento muito delicado para todos e o melhor, certamente é que não sejam criadas demandas injustificadas. Diante disso, acatar a vontade da maioria, dentro de um condomínio, ainda é a forma mais democrática de se conviver. Se as leis mudarem, todo esse prognóstico pode ser modificado também, mas, para o momento, é o que temos sobre esse assunto.
*Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG – Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal – Membro do Ibradim-MG – Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – kenio@keniopereiraadvogados.com.br