JK pode exigir pagamento de condomínio em dinheiro?

JK pode exigir pagamento de condomínio em dinheiro?
Entenda essa e outras polêmicas do edifício histórico em BH. Moradores denunciam aumentos sem assembleia, constantes problemas com manutenção de elevadores, falta de interfone e pouca abertura da administração para diálogo
Imagina só, em pleno 2024, você ter que pagar o condomínio com dinheiro físico? Essa foi a exigência passada aos moradores do Conjunto Governador Juscelino Kubitschek, mais conhecido como Edifício JK, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. No mesmo mês em que o valor do condomínio aumentou 12%, moradores se revoltaram contra mais essa determinação. Conforme o documento a que a Itatiaia teve acesso, a cobrança em dinheiro vai contra a convenção do condomínio. E, segundo especialista, a conduta pode ser considerada abusiva.

Pagamento no dinheiro

Lucas* contou que mora de aluguel há cinco anos e que, normalmente, pega o boleto na portaria, para pagá-lo online. Mas, em setembro, no grupo de WhatsApp dos moradores, relatos de que não haveria boleto de outubro e que o pagamento deveria ser presencial e em espécie na administração começaram a aparecer.

“Não há nenhum aviso formal sobre a decisão, como houve aviso sobre o aumento, ou aviso sobre dedetização nas áreas comuns. As instruções para fazer esse pagamento apenas correm no boca-a-boca, sendo confirmadas pelos porteiros e pela administração”, disse Lucas*.

Tratar com a administração é uma das dificuldades relatada pelos condomínios. Além dos horários limitados de atendimento, placas, no mínimo, inusitadas chamam a atenção. “Se o srª quiser ser atendido na administração, deverá comparecer com vestimentas adequadas ao ambiente de trabalho. Quer ser atendido? Cumpra a determinação”, afirma o papel colocado no vidro, indicando agosto de 2022. Próximo dessa, há outra imagem indicando a proibição do uso de celular no local.

Polêmicas fazem parte do mandato da síndica Maria Lima das Graças, que está a mais de 40 anos à frente da administração dos prédios tombados pelo patrimônio cultural da cidade e que abrigam uma população estimada em 5 mil pessoas.

O relato de Lucas* é similar ao da proprietária de um dos mais de 1.100 apartamentos, Juliana*. “Fiquei sabendo que a administração colocou exigência de pagamento somente em dinheiro e diretamente na administração. Eu estava fora de casa e fui lá para entender de fato e, lá, me confirmaram essa informação”, reforçou Juliana*.

Determinação vai contra Convenção do Condomínio

Juliana* classifica a nova determinação como “absurda”. “Quem que vai sacar esse valor e ficar andando com esse dinheiro?”, questionou. Segundo ela, essa cobrança somente em dinheiro vai contra a convenção do condomínio.

O documento, a que a Itatiaia teve acesso, confirma: “o pagamento só pode ser efetuado em bancos, mediante o impresso próprio e da seguinte maneira: 1) condomínio em dia: qualquer agência bancária, 2) condomínio em atraso: qualquer agência do Banco Itaú. Para o pagamento das taxas em atraso, o inquilino ou proprietário deverá comparecer ao escritório da administração”.

Os moradores se perguntam por que o valor deve ser pago em dinheiro. “Por que isso não pode ser feito uma transferência? Por que não pode ser feito um Pix? Qual é a exigência do dinheiro? Além disso, se houve algum problema no sistema de emissão de boletos, é de responsabilidade deles”, disse Juliana*, que decidiu que não vai fazer o pagamento até que novas medidas sejam tomadas pela administração.

O que os moradores podem fazer?

Segundo a advogada Anna Cristina e Souza, especializada em direito condominial, do Souza e Cita advogados Associados, o descumprimento de qualquer item da convenção pode acarretar penalidades, como advertências e multas — conforme previsto no próprio documento ou no regimento interno do condomínio. “Em casos mais graves, pode haver providências judiciárias cabíveis. Lembrando que a convenção deverá ser respeitada por todos, inclusive síndico e administração”, disse

 

Ainda conforme a especialista, quanto à forma de pagamento da taxa condominial, a administração do condomínio tem o direito de definir regras para a sua cobrança, mas isso deve ocorrer dentro dos limites estabelecidos pela convenção de condomínio e pelo Código Civil. Ela destaca não haver regra específica que obrigue o pagamento de taxas condominiais exclusivamente em dinheiro. “Fazer tal exigência pode ser considerado, no mínimo, restritivo e impraticável, uma vez que existem vários meios para o adimplemento da obrigação”, acrescentou.

Anna esclareceu que, embora a relação entre o condomínio e os condôminos seja de “natureza civilista”, e o Código de Defesa do Consumidor não se aplique diretamente, a exigência de pagamento exclusivamente em dinheiro pode ser considerada “abusiva”.

“O Código Civil, em seu artigo 1.336, define as obrigações dos condôminos, incluindo o dever de contribuir com as despesas do condomínio, mas não especifica o meio de pagamento, deixando essa questão para ser regulamentada pela convenção do condomínio e pela administração, com base no bom senso e na viabilidade para todas as partes. Portanto, a administração não pode impor meios restritivos de pagamento, principalmente quando a regra afronta o que está estabelecido na convenção condominial”, explicou.

A especialista orienta que, primeiramente, moradores façam uma reclamação formal à administração sobre o descumprimento às regras estabelecidas pela convenção.

“Se a notificação não surtir efeito, ¼ dos condôminos poderá convocar uma assembleia-geral para tratar do assunto, exigindo que as regras estabelecidas no ato constitutivo do condomínio sejam respeitadas pela administração. Caso as questões não sejam resolvidas internamente, os condôminos poderão buscar assistência jurídica”, finalizou.

Aumento de 12%

Além do pagamento em dinheiro, moradores contam que, no mês passado, foram surpreendidos com um comunicado que avisa sobre o aumento de 12% no valor do condomínio. “Não há aumento previsto. Eles informaram literalmente passando um papel debaixo da porta dos condôminos”, contou Juliana*.

Segundo o documento a que a Itatiaia teve acesso, a nova cifra considera “aumentos expressivos de várias despesas”, como desperdício e uso indiscriminado de água, aumento na Cemig diante a bandeira vermelha e “aumentos consideráveis nos materiais de limpeza, manutenção hidráulica e elétrica, mão de obra, e aumento do seguro do prédio (Bloco A e B)”.

“Diante desta situação, a administração do condomínio do Conjunto Kubitschek, após exaustivas analises e reuniões realizadas com a finalidade de se examinar as contas condominiais, bem como para estudar e fixar um índice de reajuste das taxas Ordinárias e Extraordinárias para estabelecer o equilibrio financeiro das receitas e despesas do Conjunto, concluiu-se que será necessário um reajuste”, escreveu o comunicado.

A taxa de Lucas*, por exemplom aumentou de R$ 920,50 (dos quais, R$ 215,80 como taxa de obras) para R$ 1064,23. “Não houve reunião para anunciar o aumento, apenas um aviso escrito colado nos elevadores”, reclamou Lucas*.

De acordo com a advogada Anna Cristina e Souza, especializada em direito condominial, mesmo com a previsão de gastos, pode haver necessidade de aumento da taxa condominial.

“É sabido que, mesmo havendo a projeção orçamentária, dependendo das circunstâncias, principalmente para àquelas que não foram previstas, pode ser necessária a majoração da taxa condominial. Esse aumento, quando justificado, deve ser comunicado aos condôminos de maneira clara, demonstrando os motivos que o levaram à necessidade de ajuste, como a inflação, aumentos salariais, contratos de serviços e novas demandas de manutenção”, informou.

Mas a tomada de decisão precisa ser coletiva. “Para isso, é imprescindível que qualquer alteração nas taxas seja aprovada em assembleia, com quórum conforme previsto na convenção do condomínio, garantindo a participação de todos os condôminos no processo de decisão”, continuou.

Sem melhorias

Segundo moradores, os aumentos não se refletem em melhorias. Quem vive na cidade vertical reclama da falta de área de lazer e socialização, problemas recorrentes nos elevadores. “Se tem dois elevadores funcionando no prédio, é lucro. Sem falar a quantidade de vezes que eu já fiquei presa. É impressionante”, relatou Juliana*.

Nessa terça-feira (1º), segundo João*, outro morador, um elevador despencou do 4º andar ao térreo. “Ontem, por duas vezes, presenciei o problema com o elevador, que caiu acelerado do 4º ao primeiro andar, e depois foi desacelerando, igual aquela torre do parque Guanabara”, disse.

A falta de interfone também gera transtornos para os moradores. “Se pedirmos Ifood, por exemplo, o entregador tem que ligar para o morador buscar na portaria”, contou. Para os visitantes, a regra é outra. “Se for antes das 22h30, eles deixam a pessoa subir, só apresentar documento. Depois das 22h30, o morador precisa descer na portaria pra autorizar”, explicou Lucas*.

Ele ainda defende que o aumento no valor do condomínio pode fazer sentido, porque há um aumento em custos rotineiros, como em qualquer lugar. “O problema é que já estamos em um preço muito alto por um serviço extremamente precário para 2024. Além de problemas nos elevadores, não há qualquer tipo de atendimento virtual na administração (tem que ir presencialmente, no horário estipulado, e teoricamente com “vestimentas adequadas”) e os boletos, quando existiam, tinham de ser buscados na portaria, sem possibilidade de receber por email. Isso entre outras coisas”, finalizou Lucas.

O outro lado

Ao ligar na administração do JK, a reportagem conversou brevemente com uma mulher — que se recusou a se identificar — que disse que a exigência do pagamento em dinheiro partiu de “problemas técnicos” para a emissão dos boletos.

Sobre o aumento no valor do condomínio, ela justificou dizendo que “tudo aumentou” e, por isso, a necessidade da adição na taxa. A mesma disse que não responderia outros questionamentos. O espaço continua aberto caso a administração do condomínio queira se manifestar sobre as outras reclamações mencionados na reportagem.

*Nomes fictícios dos moradores que, por medo de represálias, preferem não se identificar

Fonte: Rádio Itatiaia https://www.itatiaia.com.br/cidades/2024/10/02/jk-pode-exigir-pagamento-de-condominio-em-dinheiro-entenda-essa-e-outras-polemicas-do-edificio-historico-em-bh