Pagamento no dinheiro
Lucas* contou que mora de aluguel há cinco anos e que, normalmente, pega o boleto na portaria, para pagá-lo online. Mas, em setembro, no grupo de WhatsApp dos moradores, relatos de que não haveria boleto de outubro e que o pagamento deveria ser presencial e em espécie na administração começaram a aparecer.
“Não há nenhum aviso formal sobre a decisão, como houve aviso sobre o aumento, ou aviso sobre dedetização nas áreas comuns. As instruções para fazer esse pagamento apenas correm no boca-a-boca, sendo confirmadas pelos porteiros e pela administração”, disse Lucas*.
Tratar com a administração é uma das dificuldades relatada pelos condomínios. Além dos horários limitados de atendimento, placas, no mínimo, inusitadas chamam a atenção. “Se o srª quiser ser atendido na administração, deverá comparecer com vestimentas adequadas ao ambiente de trabalho. Quer ser atendido? Cumpra a determinação”, afirma o papel colocado no vidro, indicando agosto de 2022. Próximo dessa, há outra imagem indicando a proibição do uso de celular no local.
Polêmicas fazem parte do mandato da síndica Maria Lima das Graças, que está a mais de 40 anos à frente da administração dos prédios tombados pelo patrimônio cultural da cidade e que abrigam uma população estimada em 5 mil pessoas.
O relato de Lucas* é similar ao da proprietária de um dos mais de 1.100 apartamentos, Juliana*. “Fiquei sabendo que a administração colocou exigência de pagamento somente em dinheiro e diretamente na administração. Eu estava fora de casa e fui lá para entender de fato e, lá, me confirmaram essa informação”, reforçou Juliana*.
Determinação vai contra Convenção do Condomínio
Juliana* classifica a nova determinação como “absurda”. “Quem que vai sacar esse valor e ficar andando com esse dinheiro?”, questionou. Segundo ela, essa cobrança somente em dinheiro vai contra a convenção do condomínio.
O documento, a que a Itatiaia teve acesso, confirma: “o pagamento só pode ser efetuado em bancos, mediante o impresso próprio e da seguinte maneira: 1) condomínio em dia: qualquer agência bancária, 2) condomínio em atraso: qualquer agência do Banco Itaú. Para o pagamento das taxas em atraso, o inquilino ou proprietário deverá comparecer ao escritório da administração”.
Os moradores se perguntam por que o valor deve ser pago em dinheiro. “Por que isso não pode ser feito uma transferência? Por que não pode ser feito um Pix? Qual é a exigência do dinheiro? Além disso, se houve algum problema no sistema de emissão de boletos, é de responsabilidade deles”, disse Juliana*, que decidiu que não vai fazer o pagamento até que novas medidas sejam tomadas pela administração.
O que os moradores podem fazer?
Segundo a advogada Anna Cristina e Souza, especializada em direito condominial, do Souza e Cita advogados Associados, o descumprimento de qualquer item da convenção pode acarretar penalidades, como advertências e multas — conforme previsto no próprio documento ou no regimento interno do condomínio. “Em casos mais graves, pode haver providências judiciárias cabíveis. Lembrando que a convenção deverá ser respeitada por todos, inclusive síndico e administração”, disse
Ainda conforme a especialista, quanto à forma de pagamento da taxa condominial, a administração do condomínio tem o direito de definir regras para a sua cobrança, mas isso deve ocorrer dentro dos limites estabelecidos pela convenção de condomínio e pelo Código Civil. Ela destaca não haver regra específica que obrigue o pagamento de taxas condominiais exclusivamente em dinheiro. “Fazer tal exigência pode ser considerado, no mínimo, restritivo e impraticável, uma vez que existem vários meios para o adimplemento da obrigação”, acrescentou.
Anna esclareceu que, embora a relação entre o condomínio e os condôminos seja de “natureza civilista”, e o Código de Defesa do Consumidor não se aplique diretamente, a exigência de pagamento exclusivamente em dinheiro pode ser considerada “abusiva”.
“O Código Civil, em seu artigo 1.336, define as obrigações dos condôminos, incluindo o dever de contribuir com as despesas do condomínio, mas não especifica o meio de pagamento, deixando essa questão para ser regulamentada pela convenção do condomínio e pela administração, com base no bom senso e na viabilidade para todas as partes. Portanto, a administração não pode impor meios restritivos de pagamento, principalmente quando a regra afronta o que está estabelecido na convenção condominial”, explicou.
A especialista orienta que, primeiramente, moradores façam uma reclamação formal à administração sobre o descumprimento às regras estabelecidas pela convenção.
“Se a notificação não surtir efeito, ¼ dos condôminos poderá convocar uma assembleia-geral para tratar do assunto, exigindo que as regras estabelecidas no ato constitutivo do condomínio sejam respeitadas pela administração. Caso as questões não sejam resolvidas internamente, os condôminos poderão buscar assistência jurídica”, finalizou.
Aumento de 12%
Além do pagamento em dinheiro, moradores contam que, no mês passado, foram surpreendidos com um comunicado que avisa sobre o aumento de 12% no valor do condomínio. “Não há aumento previsto. Eles informaram literalmente passando um papel debaixo da porta dos condôminos”, contou Juliana*.
Segundo o documento a que a Itatiaia teve acesso, a nova cifra considera “aumentos expressivos de várias despesas”, como desperdício e uso indiscriminado de água, aumento na Cemig diante a bandeira vermelha e “aumentos consideráveis nos materiais de limpeza, manutenção hidráulica e elétrica, mão de obra, e aumento do seguro do prédio (Bloco A e B)”.