Por Kênio de Souza Pereira
Publicada em 03/10/2024
Nos últimos anos aumentaram os edifícios comerciais, e até residenciais, que passaram a oferecer vagas rotativas em estacionamentos criados para facilitar a vida dos empresários, profissionais que ocupam as salas e lojas, bem como dos moradores e visitantes dos apartamentos, sendo explorados por empresas que também atendem o público externo. Eram altamente lucrativos, mas após o surgimento do Uber e com a proliferação das reuniões virtuais e o home office, ocorreu redução da demanda por vagas que gerou queda da rentabilidade, situação essa que vem se agravando em decorrência da construção de novos edifícios com amplas áreas de estacionamento rotativo.
Antes da redução da demanda por vagas, muitos proprietários dos estacionamentos não observavam os balancetes do condomínio, pois obtinham renda muito boa. Ocorre que a realidade atual é outra, sendo que existem estacionamentos que foram adquiridos por milhões de reais enfrentando dificuldade até para pagar o aluguel, o IPTU e a quota de condomínio que às vezes é abusiva, pois engloba despesas das salas, lojas e apartamentos que não têm qualquer relação com o local onde os automóveis ficam estacionados.
Diante da situação que tem levado à inviabilidade de funcionamento, constata-se que a partir de 2018 o aumento dos processos judiciais dos proprietários contestando os procedimentos ilegais dos condomínios que insistem em cobrar valores indevidos, dentre eles: salários e encargos de porteiros e faxineiros, além de cobrar a manutenção de elevadores que são utilizados somente pelas salas, despesas com obras, reformas, água e energia elétrica que beneficiam somente as salas, dentre outras irregularidades que acarretam o enriquecimento sem causa que é vedado pelo Código Civil.
Convenção – Por ser uma novidade no mercado imobiliário nos anos 2000, os construtores que visam basicamente viabilizar a obra e vender, não investiram na contratação de advogados especializados para elaborar as convenções desses empreendimentos diferenciado, sendo óbvio que a Lei 4.591 criada em 1964 não previu as divergências entre coproprietários com interesses tão diferentes.
Vários são os condomínios em conflito diante da falta de previsibilidade do projeto arquitetônico que misturam entradas e saídas, portarias e demais áreas que deveriam ser independentes, resultando em dúvidas sobre o que cada condômino deve pagar pelos custos da manutenção e conservação do condomínio. A situação poderia ser resolvida com a redação profissional da convenção, mas o que se constata é o amadorismo na elaboração das regras do rateio de despesas, resultando em demandas que poderiam ser evitadas com uma consultoria jurídica experiente.
Cobranças abusivas – Além das cobranças que ferem o bom senso e a racionalidade, há síndicos que se aproveitam da boa vontade do inquilino – que aceita tudo para evitar atritos – impondo exigências descabidas, como forçar o estacionamento assumir despesas integrais de funcionário do estacionamento que passa a servir também aos donos das salas e das vagas privativas, as quais são distintas em relação ao estacionamento rotativo.
Há estacionamento que é onerado de maneira injusta, mas por falta de orientação jurídica especializada, alguns acabam fechando por não gerar receita apta a suportar a quota de condomínio exagerada, fora da realidade por ser cobrada com base na fração ideal do andar.
É lastimável a quantidade de convenções precárias, copiadas de modelos ultrapassados pelo redator leigo que, ao ignorar a necessidade de realização de cálculos para criar um rateio inteligente e proporcional que separe as despesas de cada tipo de unidade, cria um critério único impraticável.
Salas e lojas – Esse modelo de edificação surgiu para beneficiar as empresas que ocupam as salas e lojas, pois os clientes que as procuram têm a comodidade de utilizar as vagas do empreendimento. É um diferencial que aumenta o valor de venda e locação das salas e lojas, além de gerar mais conforto e segurança para os ocupantes e clientes.
Diante dessa realidade, as vagas rotativas não podem ser oneradas como se fossem salas, cabendo aos donos destas arcarem com os custos de acesso a essa comodidade e aos donos das vagas pagarem somente as despesas geradas por sua atividade, dentro dos seus limites de uso.
Cabe aos condôminos refletirem sobre a convenção que deixa a desejar quando se trata de empreendimentos de uso misto ou composto de unidades de tamanhos distintos, pois a melhor alternativa é contratar especialistas que podem revisar as cláusulas e criar uma situação equilibrada que proporcione harmonia entre os proprietários e inquilinos.
*Diretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário – ABAMI – Colunista de Direito Imobiliário da Rádio Justiça do STF, Band News, Boletim do Direito Imobiliário/Diário das Leis – Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – kenio@keniopereiraadvogados.com.br