Concessionária não pode recusar ligação para imóvel

Concessionária não pode recusar ligação para imóvel

Por Kênio de Souza Pereira

 

 

Quando um inquilino ou comprador de um imóvel comparece à Copasa ou à Cemig para solicitar a ligação de água ou de energia elétrica, essas concessionárias têm o dever de promover o fornecimento do serviço que é essencial, não podendo recusar a contratação em nome do novo consumidor sob a alegação de que há dívida anterior do antigo ocupante.

 

É ilegal e abusiva a atitude do atendente da Cemig ou da Copasa coagir o solicitante do serviço a pagar pelo consumo de terceiros, pois a dívida não tem relação com o imóvel, já que casa, apartamento ou loja não consomem água e luz por si só. A obrigação que adere ao imóvel é o IPTU e a quota de condomínio que têm natureza “propter rem”, sendo que o dever de pagar a água e a energia é “propter personam”, cabendo a concessionária promover a cobrança judicial no nome da pessoa física ou jurídica que fez o cadastrado como consumidor.

A jurisprudência é pacífica, tendo o Superior Tribunal de Justiça decidido que “a obrigação de pagar por serviço de natureza essencial, tal como água e energia, não é propter rem, mas pessoal, isto é, do usuário que efetivamente se utiliza do serviço.” (…) (AgRg no AREsp 45.073/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, julg. 02/02/2017, DJe 15/02/2017).”

 

Cobrança injusta – Resolução 414/2010, da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), determina que é proibido a CEMIG condicionar a ligação ou alteração da titularidade do serviço de energia elétrica ao pagamento de débito pendente em nome de terceiros (art. 128, §1º).

No mesmo sentido, a Resolução da Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário de MG (ARSAE-MG) nº 313/2019, no seu art. 114, só permite que a COPASA se recuse a ligar ou religar a água se o solicitante estiver com débitos não quitados junto a prestadora de serviços.  Portanto, nenhum novo ocupante do imóvel, que venha solicitar o uso de água e esgoto pode ter seu pedido de ligação negado se não for devedor, conforme o Parágrafo único: “O prestador de serviços não pode restringir os serviços previstos neste artigo devido a débito que não tenha sido autorizado pelo usuário”.

 

Por cautela, deve o locador ou vendedor encerrar a conta em seu nome ao desocupar o imóvel que pretende negociar. Logo que ocorrer nova ocupação, a imobiliária e o locador devem exigir que a conta seja transferida para o nome do usuário, pois a este caberá pagar pelo consumo. Se o inquilino se recusar a transferir para o nome dele consistirá em má-fé e quem figurar na conta, como titular, poderá requerer o desligamento do serviço para evitar riscos decorrente de alguma dívida.

 

No caso da loja ou casa que teve seu inquilino despejado, o locador não tem que pagar a conta de água ou de energia do ex-ocupante, pois a prestadora de serviço tem o nome do devedor e cabe a ela cobrar dele, inclusive judicialmente. A lei garante que a COPASA e a CEMIG, se recusem a atender os pedidos de ligação desse devedor em qualquer local em que atuem em Minas Gerais, pois o seu CPF ou CNJP estará bloqueado para novos serviços, sendo esse “mecanismo de cobrança” previsto na Resolução, art. 19, parágrafo 3º.

Nos termos do art. 2º, LXIV, legalmente o usuário é aquele que requer a ligação, seja pessoa física ou jurídica, que se beneficia ou utiliza, efetiva ou potencialmente do serviço de água. Não tem esse consumidor que ser constrangido a pagar pelo que não usufruiu, basta provar ser um novo ocupante, nos termos do art. 114. Nos termos Resolução 131, art. 116 “O usuário tem o direito de comprovar quando efetivamente assumiu a ligação, eximindo-se da responsabilidade por débitos anteriores referentes ao imóvel em questão. Parágrafo único: A obrigação de pagamento de débitos de faturas de água e esgoto tem caráter pessoal”

 

Imobiliária – A Cemig faz a ligação normalmente, mediante o pedido, sendo que a ANEEL estabelece no art.  31. “A ligação da unidade consumidora ou adequação da ligação existente deve ser efetuada de acordo com os prazos máximos a seguir fixados:  2 dias úteis para unidade consumidora do grupo B, localizada em área urbana”; 5 dias úteis em área rural.

Todavia, a COPASA tem se mostrado ineficiente ao demorar a realizar a religação da água, ferindo a norma da ARSAE, que estipula o limite de até dois dias para religar a água. O atraso impede a ocupação do imóvel locado ou vendido, gerando transtornos para o novo ocupante, não tendo a imobiliária nenhuma culpa pela ineficiência de um serviço que é essencial à dignidade humana. O art. 118 estabelece: “Cessado o motivo da suspensão de serviço de abastecimento de água, o prestador de serviços deve restabelecer os serviços de abastecimento de água em até 2 (dois) dias corridos, a contar da solicitação pelo usuário”. 

 

Em Belo Horizonte, tem a Copasa ainda, o dever de avisar ao usuário sobre a existência do serviço de “religação de urgência em até 12 horas”, que conforme art. 119, deve oferece-lo mediante o aviso do valor a ser cobrado, e os prazos vigentes para as religações normais e as de urgência. Agora, caso a Copasa tenha suspendido o fornecimento de água indevidamente, esse serviço de urgência é gratuito.

 

Indenização – É um direito de o proprietário do imóvel vazio solicitar à COPASA que desligue o fornecimento d’água, o que é simples, pois seu técnico faz isso em 5 minutos. Assim, o dono economiza ao evitar pagar mensalmente mais de R$30,00 (Tarifa resd.) ou mais de R$50,00 (Tarifa comercial), enquanto o imóvel está vazio.  Com a pandemia há imóveis vagos há mais de dois anos, gerando prejuízo para o proprietário.

Ocorre que, há notícia da COPASA – como se fosse uma “represália” por não ter deixado o imóvel ligado pagando Tarifa Fixa sem nada gastar – “sabotando” a religação d’água, por vários meses. Há locador e inquilino, apesar de vários pedidos, sendo prejudicados, por não conseguirem a ligação d’água para dar início à locação. Sem água não há como a pessoa morar e nem a empresa funcionar ou fazer obras de adaptação para se instalar.

Conforme, algumas decisões dos Tribunais, cabe ao inquilino ou ao proprietário, juntar provas da falta de prestação de serviços e entrar na Justiça requerendo a indenização por perdas e danos da COPASA, diante do atraso exagerado em cumprir sua obrigação injustificadamente.

 

Cemig – As imobiliárias são grandes parceiras das concessionárias por combaterem a inadimplência e as ligações clandestinas, pois visam proteger seus clientes e agilizar as novas ocupações com lisura. Por isso, as imobiliárias geralmente solicitam o consumo final da conta de luz, encerrando assim qualquer pendência do ex-ocupante, sendo que a CEMIG cumpre normalmente a Resolução 414/2010 da ANEEL, que estipula:

“art. 70. “O encerramento da relação contratual entre a distribuidora e o consumidor deve ocorrer nas seguintes circunstâncias: I – solicitação do consumidor para encerramento da relação contratual; e II – ação da distribuidora, quando houver solicitação de fornecimento formulado por novo interessado referente à mesma unidade consumidora…”

Caso a concessionária se recuse encerrar/cortar a energia elétrica do imóvel, sob a alegação de que só o fará após quitar a dívida pendente, ferirá o §7º, do art. 70, o que será ilógico. O locador ou a imobiliária solicitam o desligamento do serviço de água ou energia elétrica do imóvel no qual o inquilino foi despejado ou abandonou, justamente para evitar prejuízos para a concessionária com o aumento da dívida.

Legislação – A dívida em nome de terceiro é considerada pessoal e não admite transferência automática para quem não a tenha dado causa. Dessa forma, independentemente do tipo de serviço, negar a prestação do serviço devido à existência de um débito em nome de terceiro trata-se de prática abusiva e viola o art., 39, V, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Conforme a Lei nº8.987/95 que regulamenta os Serviços Públicos, (artigos 6º e 7º, inciso III), consiste em direito do consumidor obter e utilizar o serviço com pleno atendimento às suas necessidades.  Nessa situação é aplicado também o CDC, que no art. 39, IX, proíbe a concessionária se recusar a prestação de serviços de saneamento e de energia elétrica a quem se disponha a contratá-la.

 

 

Culpa – Caso a concessionária crie obstáculos excessivos, a ponto de deixar imóvel sem condições de ser utilizado (impedindo sua reforma ou adaptações para nova atividade do inquilino ou do comprador), tendo em vista ser impossível morar ou trabalhar sem água e energia elétrica, poderá vir a ser configurado abusos que podem motivar uma indenização por danos materiais e morais, pois fere a dignidade humana a ausência de tais serviços.

Não é necessária a comprovação de culpa da companhia, eis que responde de forma objetiva pelos danos causados em decorrência da má prestação do seu serviço. Basta a demonstração dos fatos e o nexo causal, conforme disciplina o art. 37, §6º, da Constituição Federal.

É fundamental, a pessoa ou empresa prejudicada, em especial, por estar enfrentando dificuldade de obter a água e a energia em seu nome, por causa de grandes dívidas deixadas por empresas que faliram, fizeram ligações clandestinas ou que lesaram o atual proprietário do imóvel, agir com assessoria jurídica desde do primeiro momento para evitar o agravamento de prejuízos e obter provas do seu Direito para viabilizar alguma indenização em juízo.

 

 

* Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG – Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal – Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG

kenio@keniopereiraadvogados.com.br