Por Kênio de Souza Pereira
O síndico exerce uma função relevante, sendo que a maioria age de forma criteriosa e respeitosa, sendo merecedora de nossa admiração por enfrentar desafios que poucos se dispõe a assumir. Entretanto, há alguns síndicos, que não representam nem 5% do total, que após serem eleitos surpreendem a coletividade ao cometer atos ilegais em nome de uma autoridade que não possui, gerando processos que podem acarretar indenização por danos morais.
É o caso ocorrido no mês passado, divulgado no site A Onça, sob o título: “Síndica impede moradora de entrar em condomínio com amigas e caso termina com polícia na porta”. A síndica impediu que a inquilina e duas amigas acessassem o prédio, tendo a mesma negado o código de acesso e ainda determinado que o porteiro não abrisse a porta, mesmo após a equipe da polícia que compareceu ao local ter intermediado a situação. O porteiro disse que não abriria, pois seguiria a ordem da síndica.
Os policiais somente conseguiram acessar o edifício quando outra moradora abriu a porta para sair, sendo que após esse momento ocorreu a discussão com o porteiro, e depois com o supervisor, que se recusaram a informar qual seria o apartamento da síndica.
Diante da gravidade da situação que gerou constrangimento às três moradoras (inquilina e duas amigas) o porteiro, posteriormente, passou a negar o abuso, tendo passado o código de acesso somente para a inquilina. Ao final, os policiais registraram a ocorrência com o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 Código Penal), tendo ficado clara a ilegalidade praticada de forma afrontosa pela síndica que se recusou a aparecer, deixando o porteiro e o supervisor com o papel de esconder onde estaria a síndica.
Rotina – Fatos como esse ocorrem rotineiramente, pois em muitos edifícios quase ninguém deseja ser síndico, gerando assim a oportunidade de pessoas com postura ditatorial ou desequilibrada se elegerem por não existir outra mais qualificada para exercer a função.
Vários são os relatos de pessoas que, ao terem alguma autoridade, perdem a noção, e passam a afrontar o direito de propriedade, ferindo a dignidade humana e o direito da personalidade, que são protegidos pela Constituição Federal. O resultado tem sido a condenação dos condomínios e de alguns “xerifes da vida alheia” a pagarem indenizações aos moradores que foram desrespeitados ao serem impedidos de utilizar sua moradia normalmente.
Muitos condôminos evitam ir à assembleia e se omitem por temerem a perseguição do síndico que age de forma dissimulada e ameaçadora, sendo comum alterar a ata e repudiar que a assembleia seja filmada. Tal postura agrava os atritos, gerando a mudança de quem deseja sossego e tranquilidade.
Abusos – Para exemplificar os excessos de mandato dos ditadores condominiais, podemos citar o caso de um síndico que determinou que o visitante que pernoitasse no apartamento de qualquer morador, teria acesso ao prédio se a administração fosse avisada com 24 horas de antecedência. No caso em questão, a amiga de uma moradora foi impedida pelo porteiro de acompanhá-la em virtude de terem chegado ao prédio às 23 horas, tendo que ir para um hotel, ou seja, o síndico tornou-se o controlador da vida alheia.
Há ainda situação de namorado que foi impedido de subir por chegar após determinado horário, como se o síndico fosse o pai da condômina ou dono de um “pensionato”. Nada mais absurdo!
Pode a vítima desses abusos chamar a polícia e, com o Boletim de Ocorrência, processar o condomínio e o infeliz que criou essa regra ilegal ao pagamento de danos materiais, bem como os danos morais diante da situação vexatória que gerou angústia, sofrimento, raiva e indignação.
Da mesma forma, com a alegação de risco de contágio pela Covid-19, que praticamente não existe mais, uma síndica impediu que uma criança de três anos fizesse aula de natação com um professor na piscina do edifício, que é pouco frequentada pelos demais condôminos, os quais ainda têm o direito de levar um convidado. Será que a síndica deseja que a criança se afogue?
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça condenou alguns condomínios a pagar danos morais por impedir que os inadimplentes frequentassem a piscina, tendo o Ilustríssimo Ministro Luís Felipe Salomão afirmado que:
“É ilícita a prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns do edifício, incorrendo em abuso de direito a disposição condominial que proíbe a utilização como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais. Em verdade, o próprio Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino e dos demais moradores.”
Dono – Os condôminos são os reais proprietários dos apartamentos, bem como das áreas comuns, sendo essas inseparáveis, ou seja, ninguém pode impedir que um morador venha a utilizar as áreas externas, em especial, as de lazer, pois este não é dono da mesma. Diante disso, causa perplexidade a atitude do síndico criar barreiras para que o proprietário ou inquilino utilize a academia, a piscina, a quadra, salão de festas, espaço gourmet, dentre outros, como se ele fosse o único dono do edifício.
A lei permite que a utilização das áreas comuns seja regulamentada para que possam ser usufruídas por todos os moradores, sendo que as limitações devem impedir apenas situações que acarretem incômodos ou que um condômino a utilize de forma exclusiva. Dessa forma, qualquer norma que inviabilize o justo aproveitamento dos equipamentos e áreas de lazer do edifício, fere os artigos 1.335 e 1.336, inciso IV, do Código Civil, devendo assim ser ignorada, pois a convenção ou o regimento interno não podem afrontar a lei nº 4.591/64, o Código Civil e demais leis aplicáveis aos condomínios.
Além dos abusos cometidos sob o pretexto de segurança, podemos citar também restrições ilegais que vão ainda mais longe, como o caso de um síndico que impediu que diaristas e cuidadoras de idosos acessassem os apartamentos para prestarem seus serviços, ou o caso de um morador idoso que foi proibido de receber as compras de supermercado em sua porta durante o final da pandemia de Covid-19.
Ao impor que a pessoa idosa ou doente carregue sacolas pesadas, de maneira a lhe causar esforço incompatível com sua condição física, sofrimento desnecessário, fica evidente a ilegalidade praticada pelo condomínio que lhe causa o risco de ser condenado judicialmente por danos morais. Esse mesmo abuso ocorre no condomínio que obriga o tutor a carregar seu cão, de mais de 20 quilos no colo, ao transitar na área comum para sair ou entrar no prédio, tendo o Tribunal do Distrito Federal anulado essa exigência. Há ainda casos em que obras urgentes a serem realizadas nos apartamentos foram paralisadas por determinação dos déspotas.
E os condôminos? – Contudo, muitos condôminos ainda não sabem que podem (e devem) buscar os meios de cessar essas práticas. Exemplo disso é que, em 2021, uma condômina, inconformada com a proibição por parte do síndico de que seu filho diagnosticado com autismo fizesse o tratamento com o terapeuta na piscina do edifício, buscou judicialmente seus direitos. Nesse caso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais concedeu, liminarmente, o direito a essa mãe de que seu filho possa utilizar devidamente uma área da qual ele também é dono.
Importante destacar que não apenas os condôminos diretamente afetados pelos abusos possuem o dever de agir, mas todos os demais moradores, afinal, qualquer um que presencie os fatos poderá ser igualmente responsabilizado por sua omissão. Isso sem mencionar que, em caso de eventual condenação por danos morais, os prejuízos financeiros certamente serão estendidos a todos os condôminos.
Dessa forma, é de extrema importância buscar a orientação devida para que as providências para descontinuar uma gestão autoritária sejam tomadas com a maior celeridade possível. Assim, os síndicos abusivos poderão também responder criminalmente pelo crime de Constrangimento Ilegal, previsto no artigo 146, do Código Penal e condenados a restituir financeiramente o condomínio que teve que pagar os danos morais causados por seus atos impensados.
*Diretor Regional em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI) – Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MH – Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – kenio@keniopereiraadvogados.com.br