Por Kênio de Souza Pereira
A pandemia do Coronavírus tem inviabilizando a realização de reuniões para evitar aglomeração de pessoas e dado força à divulgação das assembleias virtuais.
Certamente, somos a favor da evolução e da utilização da tecnologia nos condomínios para aumentar a participação dos coproprietários, especialmente quando é exigido o quórum qualificado de 2/3 necessários para alterar a convenção.
Entretanto, o tema tem sido abordado de maneira superficial, pois uma questão é a implantação da votação por meio eletrônico, o que consiste num procedimento mais simples e viável em alguns casos. Quanto a esse ponto, existe o Projeto de Lei nº 548/2019, que está em tramitação no Congresso Nacional para acrescentar ao Código Civil o seguinte dispositivo: art. 1.353-A “permitir à assembleia de condomínios edilícios votação por meio eletrônico ou por outra forma de coleta individualizada do voto dos condôminos ausentes à reunião presencial, quando a lei exigir quórum especial para a deliberação da matéria”. A novidade se limita a colher os votos por meio eletrônico após a assembleia, caso a votação presencial não tenha obtido o quórum qualificado, o que na prática implica numa votação híbrida.
A falta de comparecimento às assembleias é uma realidade, sendo comum a presença de 17% nos condomínios residenciais e de menos de 10% nos prédios comerciais, gerando dificuldade de aprovação quando é exigido quórum qualificado.
Racionalidade – O Projeto de Lei 548/2019 tem seus méritos, mas independentemente de sua aprovação para que se torne lei, a votação eletrônica só será possível, no condomínio, se estiver autorizada na convenção, da mesma forma que o edital enviado por e-mail ou WhatsApp. Entretanto, se o foco é aumentar o número de participantes para obter os quóruns especiais, basta o condomínio estimular que os condôminos outorguem procurações para evitar que a ausência dos que podem participar da reunião dificulte a obtenção do quórum.
Quanto aos quóruns qualificados, que levam em conta todas as unidades, vários deles podem ser alterados para quóruns baseados somente nos condôminos presentes, bastando as construtoras e os condôminos estipularem tal regra na convenção, conforme autoriza o Código Civil: “Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará: … III – a competência das assembleias, forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações”. Portanto, esses dois procedimentos são eficientes, bastando o condomínio ter uma boa assessoria jurídica para resolver as dificuldades com os quóruns.
Em aberto – Poderá, ainda, as novas convenções ou as rerratificações preverem os procedimentos para a implantação das assembleias virtuais que tendem a ser viáveis futuramente, bem como a forma de obter a complementação dos votos após o horário da assembleia, caso naquele momento, não tenham sido obtidos os votos presenciais necessários para aprovação da deliberação pelo quórum qualificado. Tal possibilidade de estipular essas regras está prevista desde 1964, no art. 9º, § 3º, alíneas h, i e l, da Lei 4.591/64, sendo que foram reproduzidas em 2002, no art. 1.334 do Código Civil. Na prática, nos condomínios com centenas de unidades, para atualizar a convenção é comum deixar a assembleia aberta para que possam ser colhidas as assinaturas para obter o quórum de 2/3, por ser impossível reunir tal volume de pessoas no mesmo local, dia e hora.
Possibilidade – Nos condomínios por exemplo, com 6 ou 10 apartamentos, diante da orientação de evitar reunião por causa do COVID-19, é viável realizar a reunião por meio do virtual adequado (Zoom, Skype, Facebook, Hangouts, WhatsApp dentre outros), caso todos os moradores tenham computadores, notebooks ou smartphones. Sendo um prédio pequeno em que impere um clima harmonioso, é viável a troca de ideias e de argumentos sobre poucos temas que não sejam polêmicos ou complexos. A votação ocorrerá na reunião virtual, cabendo a um dos condôminos, como secretário, redigir de imediato a ata e, após seu encerramento, passar de porta em porta para colher as assinaturas.
Com poucos condôminos, que se conhecem e sabem que o participante é realmente o coproprietário ou o procurador devidamente constituído para votar legitimamente, é possível esse tipo de assembleia, especialmente para se eleger o síndico nesse momento emergencial. Dessa forma o condomínio que estiver com o mandato do síndico vencido, com risco de ter transtornos de bloqueio da movimentação da conta bancária por ausência da ata com a eleição do novo síndico, poderá realizar essa ata com maior tranquilidade. Assim, evitará custos com um processo judicial para obter do juiz a prorrogação do mandato.
Veraneio – Apesar das dificuldades e riscos da assembleia virtual, nos condomínios de veraneio como nas cidades à beira mar, em que a maioria dos coproprietários comparecem ao local esporadicamente, é interessante que eles promovam a rerratificação da convenção para possibilitar a realização do edital e da assembleia virtual.
Inúmeros prédios de veraneio têm uma administração problemática por falta de assembleias, pois são difíceis de realizar já que a maioria das unidades não são ocupadas pelos proprietários. Nesses casos, pela questão de impossibilidade de comparecimento de parte expressiva dos condôminos numa reunião presencial, deverão ser vistos com maior interesse os procedimentos virtuais.
Pesquisas – Tem sido oferecido para os condomínios aplicativos e plataformas que se prestam apenas a obter resultados de enquetes como se fossem aptos à realização de assembleias. Ao permitirem que determinada comunidade (moradores de um condomínio) entrem num endereço eletrônico ou aplicativo para votar sim ou não sobre uma questão, o que se obtém é o resultado de uma pesquisa, o que passa de longe, da salutar troca de ideias que pode fazer uma pessoa mudar de opinião numa assembleia.
Isso é interessante para saber o que deve ser levado para uma assembleia, as opções que deverão ser debatidas, mas não substitui um diálogo proveitoso, o contraditório que é a essência do aprimoramento de uma decisão assemblear. Além disso, numa enquete é dado acesso por apartamento, não há controle de acesso somente para quem é condômino. Pode, qualquer pessoa que não seja condômino, votar, o que geraria nulidade das deliberações, pois num condomínio, conforme art. 1.335 do Código Civil, somente o proprietário pode votar.
Uma assembleia é um ato repleto de formalidades, com regras próprias previstas na lei e na convenção, devendo ser respeitados os procedimentos como a escolha do presidente, secretário, redação imediata da ata e a assinatura dos presentes, sendo que os cartórios não aceitam a assinatura eletrônica.
Agora, o benefício do uso virtual é viabilizar a filmagem em vídeo para gerar maior respeito nas manifestações, mas isso deve ser feito nas assembleias presenciais, pois assim são evitados os abusos e a manipulação na redação da ata.
Evolução – Futuramente, com a evolução da sociedade e dos mecanismos eletrônicos, aumentarão as possibilidades da realização de assembleias virtuais, mas no presente momento se mostra impraticável na maioria dos edifícios, especialmente nos de grande porte.
Enganam-se aqueles que afirmam ser viável a assembleia virtual no condomínio por ser essa realizável nas Sociedades Anônimas. Não se pode comparar o clima e o nível de discussão de uma Assembleia de Acionistas de S/A, que tem lei própria e regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários, com o amadorismo inerentes aos moradores de um condomínio. São realidades totalmente distintas.
Basta vermos o vício de grande parte dos condomínios insistirem em não redigir a ata no decorrer da assembleia, gerando milhares de ações que visam sua nulidade por terem sido elaboradas posteriormente com a inclusão de frases inverídicas e com a subtração do que realmente foi dito. A falsidade ideológica prevista como crime no art. 299 do Código Penal, acontece rotineiramente quando há conflitos entre condôminos na reunião, sendo comum o presidente ou o síndico cortar a palavra de quem se manifesta contra o interesse da maioria, ato esse imoral e ilegal, mas que é acobertado por essa maioria por questão de conveniência.
Justiça – Se numa assembleia presencial há dificuldade de controlar os ânimos, sendo que alguns insistem em monopolizar e outros em tumultuar, mais desafiador será deliberar por meio virtual. Não há como ter autoridade para coibir condutas inadequadas e nem controlar dezenas de participantes ao mesmo tempo em debates que resultam nas inúmeras demandas judiciais que abarrotam os Fóruns. Várias são as reuniões que exigem que os participantes vejam objetos, gráficos, plantas, balanços e documentos que somente pessoalmente são possíveis de serem avaliados. Há ainda a dificuldade em saber se quem está votando é o proprietário, além dos oficiais dos ofícios de títulos e documentos, bem como de registro de imóveis não aceitarem assinaturas eletrônicas. Para que as assembleias virtuais sejam seguras e, portanto, viáveis, é necessário que os Ofícios de Registro de Títulos e Documentos e de Registro de Imóveis venham a operar pela internet, da mesma forma que o Poder Judiciário faz com as petições, para reconhecer as atas e suas assinaturas pelo meio eletrônico.
Além disso, consiste numa complicação apurar o voto por fração ideal, quando a convenção não determina que o voto seja por unidade. Diante desses problemas, especialmente quando o número de participantes é elevado, até que ocorram algumas evoluções, permanecerá como sendo mais eficaz as assembleias presenciais.
*Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG – Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário MG e do Secovi-MG – kenio@keniopereiraadvogados.com.br