Uma síndica, um estudante e dois advogados debatem os direitos e os limites da moradia para amigos em condomínios
Os moradores do Condomínio do Edifício Elaine, localizado no bairro Ouro Preto, na Pampulha, já não aguentam mais o barulho provocado por moradoras de uma república de estudantes. As reclamações dão conta de que as quatro jovens, que dividem um apartamento de três quartos, costumam bater o portão, andar com tamancos e fazer festas até tarde da noite, incomodando os vizinhos. A síndica, Sandra Geralda dos Anjos, já conversou com as moças, com o proprietário do apartamento e com a imobiliária e espera que uma providência seja tomada. Caso contrário, ela pode multar o dono da unidade e até entrar na justiça. “O problema são as festas, o barulho. Se não tivesse barulho, até passava. Aqui é silêncio mesmo, o pessoal é tranquilo. E elas vieram com tamancos que fazem barulho, batem o portão. E isso perturba muito quem quer sossego”, diz a síndica.
Exatamente por causa de situações como essa é que muitos condomínios de Belo Horizonte proíbem as repúblicas. Assim acontece no Condomínio do Edifício Elaine e em muitos outros. O problema é que a norma não é respeitada. Segundo estimativa da advogada especializada em direito condominial da administradora Sindicon, Juliana Miranda, cerca de 10% das unidades de condomínios acima de 50 apartamentos abrigam repúblicas estudantis. O número é alto e significativo para o mercado imobiliário da cidade, mas incômodo para os demais moradores.
Juliana explica que a proibição do prédio abrigar repúblicas tem que estar explícita na convenção, mas lembra que impedir apenas aquelas formadas por estudantes vem sendo considerada pela Justiça como discriminação. “Muitas convenções são antigas e muitas dúvidas surgem na hora de atualizar. Os síndicos tentam proibir os estudantes, mas hoje a questão da discriminação é tratada judicialmente”, diz a advogada. Por isso, Juliana faz questão de deixar bem claro o conceito de república. “República é um agrupamento de três ou mais pessoas que não tem grau de parentesco, nem vínculo com o imóvel. Pode ser de estudantes ou de profissionais”, afirma.
Ainda de acordo com a advogada, as imobiliárias também tem responsabilidade na formação das repúblicas. Segundo Juliana, as imobiliárias tem que estudar o perfil da pessoa que se candidata a alugar um apartamento e ver se ele se enquadra com o perfil do condomínio. E cabe a ela também respeitar a proibição de repúblicas. Ocorre que, muitas vezes, o pai de um dos estudantes aluga a unidade dizendo que é para moradia familiar, o que na prática, não ocorre. Para se resguardar, a advogada recomenda à imobiliária que faça um contrato deixando as regras claras, que devem ser obedecidas pelo locatário. Já quando o imóvel é da família de um dos moradores da república, a questão fica um pouco mais complicada, já que há vínculo de pelo menos um morador com o imóvel.
O que o síndico pode fazer? – Em todo caso, o síndico pode lançar mão de recursos para impedir a república se ela estiver causando grande incômodo. “O novo Código Civil permite que o síndico multe pelo comportamento antissocial, que inclui, por exemplo, pendurar roupa na janela, alterando a fachada, brigas em tom mais alto, festas fora dos horários, som alto e bate papo em volume mais alto”, explica Juliana. A multa varia de cinco a 10 vezes o valor da taxa de condomínio. Também é possível recorrer à Justiça.
Para o advogado especializado em direito condominial, presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, vice-presidente da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do SECOVI-MG, Kênio Pereira, o ideal é que os moradores que pretendam formar uma república sejam honestos com a imobiliária e com o síndico, informando a intenção de dividirem despesas. “Assim, evitam problemas de uma possível ação de despejo para romper a locação que tiver sido concluída com a finalidade de residir uma família, sendo que a mudança da destinação da locação, que caracteriza uma infração legal e contratual, resulta ainda no direito do locador cobrar multa contratual, que geralmente, é fixada no contrato em torno de três a seis meses do valor atual do aluguel”, diz ele.
O advogado explica ainda que antes de aplicar as penalidades o síndico pode conversar com os moradores de repúblicas, alertando para qual o comportamento desejado. “O síndico explica para os moradores ou pretendentes à locação que devem agir com respeito, de maneira discreta, evitando festas ou movimentação fora do normal, com turmas para tocar violão, jogar truco aos berros, calouradas, conversas em tom elevado de madrugada”.
No caso do síndico não conseguir convencer os republicanos a se comportarem, vale pedir à imobiliária que tome uma providência. “Poderá a imobiliária/locador optar por não renovar o contrato de locação de maneira a viabilizar o despejo por denúncia vazia após o vencimento do prazo do contrato de locação, solução essa mais fácil, pois a locação pode ser rompida simplesmente pelo fato do locador não mais desejar mantê-la, sem alegar qualquer outro motivo”, ensina Kênio.
O outro lado – Mas, nem todas as repúblicas são problemáticas e há sim, uma forma de se estabelecer uma boa convivência entre estudantes e demais moradores. O estudante de direito, Matheus Parreira Machado, mora em um apartamento com outros quatro colegas no bairro Gutierrez, na região oeste. Ele diz que hoje, como todos trabalham, não há muito barulho, mas em alguns fins de semana eles fazem festa; mesmo assim, evitando ficar até tarde da noite, “exatamente porque é bem complicada a convivência normalmente. O pessoal já tem preconceito quando ouve dizer que é uma república”, conta ele. Segundo Matheus, é preciso avaliar cada situação em que há reclamações, já que, para ele, “tem gente que é chato de natureza então, reclama de tudo, mas varia caso a caso”, diz.