Por Kênio de Souza Pereira
Publicado em 09/04/2025
Uma das questões mais polêmicas nos condomínios é a aplicação de multa contra o inquilino ou comodatário de um apartamento, sendo racional que não seja direcionada ao proprietário. Isso porque o ocupante do apartamento é o sujeito do ato que gerou a multa, configurando uma injustiça multar o locador ou comodante, que não têm como impedir a atitude irregular do possuidor, especialmente porque, muitas vezes, sequer tem ciência do ocorrido.
Nos casos em que o síndico comunica os atos do inquilino de perturbação de sossego, como festas ruidosas, ou a utilização irregular da garagem e das áreas de lazer à imobiliária ou ao locador, estes tomam providências, advertindo ao inquilino de que o contrato poderá ser rompido por meio de ação de despejo. Quando o locador fica ciente da situação, na maioria das vezes, toma as devidas providências que estão ao seu alcance, sendo impossível exigir que ele aja fisicamente contra o inquilino, pois isso seria ilegal.
Código Civil
Diante desse cenário, aplicar a multa ao locador por ato praticado pelo inquilino é injusto, pois o locador não contribui para a infração. O artigo 1.337 do Código Civil (CC), que regulamenta as multas nos condomínios prevê que essa deve ser imposta a quem afronta a convenção tendo caráter pessoal: “Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.”
A multa, portanto, tem caráter de sanção, sendo importante para coibir condutas antissociais. É necessário conhecimento jurídico especializado para a sua aplicação correta, a fim de evitar erros que podem resultar em sua nulidade ou até mesmo em uma ação indenizatória.
Confusão
Embora a lei seja expressa, ainda existem diversas decisões judiciais que confirmam o dever de o locador pagar a multa aplicada ao inquilino, indicando que este deverá propor ação regressiva contra o infrator. Ao analisarmos esses processos, percebe-se erros de conceituação e falhas na argumentação do advogado do locador, que deixa de utilizar o art.1.337 do Código Civil (CC) e o parágrafo 1º do art. 23 da Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato).
Esses artigos preveem que a multa tem caráter sancionatório e não se trata de despesa condominial ordinária ou extraordinária que, por serem essenciais ao funcionamento e manutenção do edifício, estão ligadas ao patrimônio e tem caráter propter rem.
A unidade condominial não comete ato de infração, mas sim o possuidor, que pode ser o proprietário ou o inquilino. Assim, por ser a multa personalíssima, não pode ser aplicada a quem não a praticou efetivamente.
Imputar ao locador a responsabilidade por atos do inquilino é equiparar a relação locatícia com a responsabilidade de um pai por atos de seu filho menor de idade por força do art.932, I, CC. Não se mostra racional tentar atribuir ao locador responsabilidade com base nos artigos 935, 936, 938 ou 942 do CC pois nenhum locador tem o poder de controlar o comportamento do inquilino, sendo este autônomo, independente, não estando sujeito a imposição disciplinar do locador, pois este não é seu genitor ou tutor.
Ato irregular
Entretanto, quando fica evidente que o locador orientou o inquilino a praticar atos antissociais e abusivos como estacionar o carro no local de manobra, provocar vazamento/infiltração, realizar festas ou praticar danos aos vizinhos, se mostra correto aplicar a multa a ambos, bem como processar o locador no caso de o inquilino não ter como pagar a multa. Nesse sentido, a aplicação da solidariedade decorrente do direito de vizinhança se justifica, pois o locador não pode estimular atos que causem danos aos demais condôminos.
É lamentável, mas existem casos em que proprietários, insatisfeitos com o condomínio ou determinado condômino se mudam e, ao alugar o apartamento, induzem o inquilino a realizar atos prejudiciais para criar conflitos com vizinhos. Neste caso, há responsabilidade do locador, cabendo ao condomínio fundamentar essa particularidade para não cometer injustiça e ter a multa anulada.
O mais sensato é o síndico compreender que a ocupação do inquilino é provisória e que deve prevalecer o interesse em manter uma boa relação com o condômino/locador. Cabe também ao locador agir com vigor na busca de uma solução, já que em muitos casos o infrator prejudica a segurança e a saúde dos vizinhos.
Unidos e com o auxílio de um advogado especializado, o condomínio terá maior margem de sucesso na solução dos problemas, evitando erros e desgastes que se agravam quando mais de um profissional age de forma diferente, gerando confusão. A despesa com essa contratação, que pode ter diversos desdobramentos, é investimento, pois a paz não tem preço.
Agir com racionalidade
Existem atualmente 84 milhões de processos em tramitação no Brasil, conforme dados do Relatório Justiça em Números do CNJ. Parte desses, poderiam ser evitados com uma orientação adequada dos autores. Para facilitar a compreensão sobre o tema, citamos algumas ementas do Superior Tribunal do Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) bem fundamentadas:
CONDOMÍNIO – MULTA POR INFRAÇÃO ÁS NORMAS DA CONVENÇÃO CONDOMINIAL – NATUREZA PESSOAL DA OBRIGAÇÃO – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO PROPRIETÁRIO – RECURSO PROVIDO. As despesas comuns de condomínio, posto que geradas pelas próprias unidades que o compõem, têm caráter propter rem e se atrelam ao imóvel. Inadmissível estender tal entendimento à multa gerada por conduta daquele que desatende as regras prevista na convenção condominial, ocupante ou ex-proprietário do imóvel”. (Al nº 1.377.366/SP. Rel. Min. Raul Araújo, 4ª turma do STJ. J. 27.04.2011)
APELAÇÃO – CONDOMÍNIO – COBRANÇA DE MULTA – PROPRIETÁRIO QUE NÃO PODE SER RESPONSABILIZADO POR INFRAÇÃO COMETIDA POR LOCATÁRIA – DÍVIDA QUE NÃO TEM CARÁTER PROPTER REM E SIM PESSOAL – ILEGITIMIDADE PASSIVA MANTIDA RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP. Apelação Cível 1001769-40.2023.8.26.0642; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ubatuba – 3ª Vara; Data do Julgamento: 06/09/2024; Data de Registro: 06/09/2024)
Convenção
Abordamos nesse artigo apenas um dos vários aspectos que envolvem o dever do síndico de aplicar multas, pois conforme o art. 1.348 CC ele não pode se omitir. Porém, muitas convenções condominiais são precárias e omissas quanto aos procedimentos, graduações e forma de aplicação da multa, direito de defesa, o que gera confusões e nulidades.
Diante disso, é imperioso que os condomínios atualizem sua convenção com o auxílio de um advogado especializado, já que a postura de elaborar esse documento com base em modelos genéricos pode levar a problemas jurídicos e prejuízos financeiros. A assessoria jurídica adequada para redação de uma convenção bem estruturada, pode evitar o fracasso de processos e melhorar as relações de convivência entre os condôminos.
*Diretor Regional de MG da Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário – Conselheiro do SECOVI-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG – kenio@keniopereiraadvogados.com.br (31) 2516-7008