Kênio de Souza Pereira

 

 

STJ julgou ser ilegal impedir o inadimplente de usar as áreas de lazer

 

Desde 2003, o Código Civil permite aos condôminos inserir na convenção diversos dispositivos que podem desestimular a impontualidade no pagamento da quota de rateio, problema que causa desequilíbrio no caixa, prejuízos e desgastes nas relações entre vizinhos.

Entretanto, muitos condomínios inventam mecanismos ilegais para forçar o pagamento em dia, o que pode gerar transtornos

 

No último dia nove de agosto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o REsp 1.564.030/MG, tendo entendido ser ilegal a atitude do condomínio do Conjunto Residencial Maria Stella que impediu o acesso ao clube existente no prédio pelo condômino inadimplente. A devedora entrou com ação em 2011, para que o condomínio parasse “com os procedimentos humilhantes e degradantes” na cobrança das quotas condominiais. O relator, Ministro Aurélio Belizze, entendeu que a intenção do condomínio era inaceitável, pois teve “o único e ilegítimo propósito de expor ostensivamente a condição de inadimplência perante o meio social em que residem”, o que fere o Princípio da Dignidade Humana.

 

Acerto – O STJ agiu com acerto, pois o valor da condenação do devedor de quota condominial abrange os custos de todos os serviços prestados, bem como os de manutenção e conservação das áreas de lazer, o que inclui piscina, sauna, academia, salão de jogos e quadras. Se a pessoa paga a quota atrasada arcará com o acréscimo de multa, juros e correção monetária, sendo que não é excluído do valor cobrado a não utilização decorrente da proibição de uso de qualquer área do prédio.

 

Portanto, não tem sentido impedir que qualquer morador utilize os serviços e equipamentos de lazer, que já estão incluídos nas despesas que deverão ser pagas futuramente, mesmo que seja com atraso. No acórdão o STJ deixou claro que o condomínio pode aplicar multa de até 500% do valor da quota condominial no caso de inadimplência contumaz, tendo ainda afirmado que: “A sanção que obsta o condômino em mora de ter acesso a uma área comum (seja qual for a sua destinação), por si só, desnatura o próprio instituto do condomínio, limitando, indevidamente, o correlato direito de propriedade”. … Para a específica hipótese de descumprimento do dever de contribuição pelas despesas condominiais, o Código Civil impõe ao condômino inadimplente severas sanções de ordem pecuniária, na medida de sua recalcitrância”

 

Por outro lado, o julgamento não abrangeu a questão que envolve a postura de o condomínio condicionar a locação do salão de festas/espaço gourmet – nos prédios que adotam a regra de cobrar pelo uso – à pontualidade do pagamento das quotas de condomínio. Mas, se o salão de festas ou o espaço gourmet não são locados, certamente, consiste em ilegalidade impedir o uso desses ao morador inadimplente.

 

Redação da Convenção – Estranhamente, passados 13 anos da entrada em vigor das alterações do Código Civil, constata-se que as convenções continuam sendo cópias fiéis de modelos antigos e ultrapassados, que deixam de prever regras que punam adequadamente o inadimplente que insiste em utilizar os empregados, os serviços, a água, a energia, os elevadores e os demais equipamentos de lazer do condomínio.

 

As convenções elaboradas por advogados especializados na matéria imobiliária acabam gerando economia para o condomínio ao coibir a inadimplência estipulando juros de até 10% ao mês, limite esse já confirmado pelo STJ. A taxa de juros de 1% ao mês só permanece quando a convenção não estabelece percentual mais elevado. Além disso, conforme alertamos desde 2003, o artigo 1.337 do Código Civil permite aos condôminos estipular norma que responsabiliza o devedor a arcar com o reembolso da despesa do condomínio com a contratação de advogado para promover a cobrança, além da multa de até 500% do valor da quota condominial, que pode ser aplicada pelo síndico de forma graduada nos termos da convenção contra aquele que reiteradamente descumpre os seus deveres. Dessa maneira, a multa moratória de 2%, que deve ser aplicada contra quem atrasa esporadicamente o pagamento da quota de condomínio, pode ser acrescida de penalidade bem superior – como, por exemplo, 100% da quota de condominial – contra quem permanece meses ou anos sem pagar a sua contribuição mensal no rateio. Essa tese, que defendemos desde 2003, foi confirmada em 2015 pelo Superior Tribunal de Justiça que condenou o inadimplente contumaz a pagar a dívida com a multa extra somada aos 2% da multa moratória, além dos juros mensais, corrigidos pela inflação.

 

Honorários – Nos últimos anos, tem ganhado força no STJ o entendimento de que o devedor ou contratante que descumpre seu dever legal, que inclui o de pagar a quota de condomínio, forçando o credor a requerer seu crédito junto ao Poder Judiciário, pode ser condenado a pagar os honorários contratuais do advogado que foi contratado para propor a cobrança judicial. Dessa forma, o condomínio pode inserir na convenção que o devedor pagará além da dívida corrigida, dos juros, multa e os ônus da sucumbência (honorários e custas processuais), com a despesa que o condomínio teve em razão da contratação do advogado.

 

Essa condenação não deve ser confundida com honorários de sucumbência, pois esses pertencem ao advogado que vence a ação. O devedor pagará, além dos sucumbenciais, os honorários que o condomínio teve que desembolsar para que pudesse receber a dívida, sendo essa condenação a título de perdas e danos. Dessa forma, o STJ entendeu que o credor não pode ficar no prejuízo com os honorários contratuais que só existiram em decorrência do descumprimento da obrigação do devedor, devendo ser respeitado o princípio de reparação integral com base nos artigos 389, 395 e 404 do Código Civil.

Vários são os mecanismos que podem inibir a conduta inaceitável daquele que força o condomínio a despender elevadas despesas judiciais para promover uma ação de cobrança. Deve o condomínio a contratar de um profissional para rerratificar a convenção, o que implica expressiva economia. Ante o constrangimento de cobrar do vizinho, muitos síndicos acabam deixando de propor o processo judicial de cobrança no tempo devido, consolidando prejuízo decorrente da prescrição.

*Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG – Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG – Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis – keniopereira@caixaimobiliaria.com.br– Tel. (31) 3225-5599